Sarjeta do Terror #10 – EC Comics parte 3: O fim

Na terceira parte sobre E.C Comics, uma metodologia duvidosa aliada ao oportunismo político cria um código de ética que muda para sempre os comics, sepultando de vez a editora.

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Ainda no início dos anos 40, a indústria de quadrinhos estava sendo bastante criticada pelo seu conteúdo e seus potenciais efeitos negativos para as crianças. Mas a situação foi de certa forma encabeçada e certamente potencializada pela publicação de dois artigos do Dr. Fredric Wertham, em 1948: “Horror in the Nursery” e “The Psychopathology of Comic Books”. À época, alguns crimes cometidos por adolescentes se assemelhavam aos vistos nas histórias em quadrinhos, o que fez os pais olharem com maus olhos para os comics (numa situação não muito diferente de polêmicas mais recentes, relacionados à games e RPG).

Mas foi realmente em 1954 que a coisa ficou feia, com a publicação do famigerado “A Sedução do Inocente”, do mesmo autor que publicara aqueles dois artigos anos antes. O que aconteceu é que Wertham, percebendo que seus piores pacientes eram leitores de quadrinhos, deduziu que eram estes que estavam levando os jovens à delinqüência (o que, para a época, seria mais ou menos o mesmo que hoje em dia um psiquiatra resolver dizer que os piores pacientes dele jogam vídeo-game e por isso os games são a causa do problema deles). Somando a isso, a criação de uma audiência do congresso americano sobre delinqüência juvenil, altamente divulgada na imprensa e que acabou colocando os quadrinhos em sua mira, fez com que a indústria estremecesse, prejudicando distribuidoras de quadrinhos e colocando editoras fora do negócio. Estava criado o Comics Code Authority, selo que serviria como ferramenta para regulamentar o que podia e o que não podia ser colocado em uma história em quadrinhos (assunto sobre o qual me estenderei em postagens futuras).

Willian Gaines e a EC Comics foram provavelmente os maiores prejudicados, já que eventualmente o selo passou a ser o que os perseguidores dos quadrinhos queriam: uma arma para censurar tudo o que eles quisessem. E o “tudo o que eles quisessem” era bastante abrangente e incluía situações absurdas, como a proibição do uso das palavras “horror”, “terror” e “weird” (algo como “esquisito”, “estranho”, em tradução livre) nas capas de qualquer comic. Quando, por conta disso, distribuidores se recusaram a distribuir muitas das revistas da EC (algumas inclusive das mais famosas e vendáveis), Gaines encerrou a publicação de suas 3 revistas de terror e seus dois títulos “SuspenStory”. Tudo isso ainda em 1954.

Para tentar sobreviver, a EC mudou o foco das suas revistas para histórias mais realistas como M.D (sobre medicina) e Psychoanalysis. Também renomeou suas revistas de Sci-fi remanescentes mas, já que as edições iniciais não carregavam o selo do Comic Code, os revendedores se recusaram a vendê-las. Após consultar sua equipe, Gaines, mesmo relutante, enviou as HQs para avaliação do Comic Code e então todos os títulos desta “nova direção” da EC receberam o selo a partir das segundas edições, mas as revistas não tiveram boas vendas e acabaram sendo canceladas em poucas edições.

Incredible Science Ficion # 33 foi a última HQ publicada pela EC. Gaines mais uma vez mudou o foco da EC para “picto-Ficção”, que era uma linha de revistas em preto e branco com histórias ilustradas, além da tentativa de reescrever histórias publicadas anteriormente em outras revistas da EC. Mas a mudança de foco não rendeu e, quando o distribuidor nacional da EC foi à falência, Gaines encerrou todos os títulos com exceção da MAD que, já em formato magazine, podia escapar do crivo do Comic Code Authority por não ser uma revista em quadrinhos per se. Foi o fim de uma era. Mas ainda não é o fim da série de posts sobre a editora.

Curiosidades:

Num dos casos mais notórios relacionados ao caso EC/Comics Code, Gaines ameaçou processar o juiz Charles Murphy, que era o administrador do Comic Code na época, por conta da ordem que o juiz dera de alterar a história de ficção científica “Judgment Day”, publicada em “Incredible Science Fiction #33”, que era uma reimpressão de uma história de Weird Fantasy pré-Comic Code e inserida após a história que seria publicada nesta edição ter sido rejeitada pelo código. O problema com esta HQ era que o personagem principal era negro. A edição em questão contava a história de um astronauta humano, um representante da república galáctica, visitando um planeta habitado por robôs e encontrando-os divididos entre raças laranja e azul funcionalmente idênticas, sendo que uma das raças tinha menos direitos e privilégios que outras. O astronauta decide que, devido ao preconceito encontrado entre os robôs a República Galáctica não poderia admitir o planeta em suas fileiras. No quadro final, ele remove seu capacete, revelando ser um negro. Murphy queria que o astronauta negro fosse removido, mesmo que isso não fosse um motivo real dentro das regras do código, o que era bizarro porque, removendo a etnia do personagem, toda a história perderia o sentido. Gaines e o roteirista da história, Al Feldstein brigaram e ameaçaram processar o juiz, que mesmo tendo insistido e ordenado a remoção do personagem negro, acabou vendo a história ser impressa do jeito original.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Autor: Amanda Paiva

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