EC Comics #12 – Epílogo: O discurso contra a censura

Na última parte da série sobre a EC Comics, confira uma tradução do discurso solitário de William Gaines, que foi um último suspiro antes da instituição do Comics Code.

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Foram diversas as batalhas que Willian Gaines, da EC Comics, teve que travar com o Comics Code Authority para manter suas publicações livres de censura, e diversas as vezes que ele teve que encarar perguntas constrangedoras de pessoas que não estavam preocupadas em cuidar da segurança nacional, e sim apontar o dedo e colocar alguém como culpado pelos problemas da América na época (não que os problemas tenham mudado, apenas os “culpados” passaram hoje a ser agora os filmes e os games).

Quando foi criado o Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado, presidido pelo Senador Estes Kefauver (que nada mais era do que um oportunista em busca de autopromoção – anos antes ele havia alcançado notoriedade por ter presidido a audiência com o mafioso Frank Costelo, que fora transmitida pela televisão), a audiência foi marcada na mesma corte que anos antes havia dado fama ao Senador, que intimou várias testemunhas a depor sobre o assunto, todas contra os quadrinhos (incluindo aí Fredric Wertham). A favor dos quadrinhos o único que se propôs a depor foi Willian Gaines, que estava sozinho contra uma horda de gigantes. Obviamente, Gaines foi massacrado pelos seus inimigos.

Antes de prestar depoimento, William Gaines leu diante do Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado um discurso em defesa da sua editora. Confira a tradução:

“Meu nome é William Gaines. Sou graduado pela School of Education of New York University. Tenho qualificação para dar aulas na escola secundária.
Então, o que estou fazendo diante desse comitê?
Eu publico histórias em quadrinhos. Meu grupo é conhecido como EC – Entertaining Comics. Vim voluntariamente como testemunha. Pedi e vocês me deram essa chance de ser ouvido.
Duas décadas atrás, meu falecido pai foi o instrumento que iniciou a indústria dos quadrinhos. Foi ele quem editou as edições iniciais da primeira revista em quadrinhos, a Famous Funnies.
Meu pai estava orgulhoso da indústria que ajudou a criar. Ele levou diversão a milhões de pessoas. A herança que deixou, a vasta indústria das histórias em quadrinhos, emprega milhares de escritores, artistas, estampadores e impressores. Ela levou milhares de crianças ao costume da leitura. Ela sacudiu a sua imaginação, criou uma válvula de escape para seus problemas e frustrações… Mas o mais importante: deu a elas horas e horas de diversão.
Meu pai, que comandava a editora antes de mim, estava orgulhoso daquilo que publicava. Ele via os quadrinhos como um instrumento potencial para a educação visual. Ele foi um pioneiro, algumas vezes à frente do seu tempo.
Ele publicou títulos como Picture Stories from Science, Picture Stories from World History e Picture Stories from American History. E também Picture Stories from the Bible.
Desde 1942 vendemos mais de cinco milhões de cópias da Picture Stories from the Bible. Essa revista é largamente usada em igrejas e escolas para tornar a religião mais interessante, vívida e real. Picture Stories from Bible está sendo agora publicada pelo mundo, em dezenas de línguas. E trata-se de, nada mais, nada menos, que uma revista em quadrinhos.
Além da Picture Stories from the Bible, eu publico muitas outras revistas.
Por exemplo, publico histórias de terror. Fui o primeiro nos Estados Unidos a publicá-las. Eu sou o responsável! Eu as iniciei!
Alguns podem não gostar delas. É uma questão de gosto pessoal. Mas é difícil explicar a inofensiva emoção que uma história de terror causa numa pessoa como o Dr. Wertham, assim como seria difícil explicar a sublimidade do amor a uma frígida solteirona.
Meu pai estava orgulhoso das revistas que publicava e eu estou orgulhoso das que publico agora. Nós temos os melhores escritores e artistas. Nós nos esmeramos para que cada revista, cada história, cada página seja uma obra de arte.
Como resultado, temos os maiores índices de vendagem.
Uma revista em quadrinhos é um dos poucos prazeres que uma pessoa ainda pode comprar com uma moeda de dez centavos.
Nós vendemos prazer. Diversão. Recreação escrita.
As crianças americanas são, em sua maioria, normais. São crianças inteligentes. Mas aqueles que querem proibir as histórias em quadrinhos parecem ver nossas crianças como sujas, pervertidas e depravadas, pequenos monstros que usam os quadrinhos como modelo de suas ações.
O que tememos? Temos medo de nossas próprias crianças? Será que estamos nos esquecendo que elas também são cidadãos e, por isso, são livres para ler e julgar o que quiserem?
Ou achamos nossas crianças tão distorcidas e com a mente tão pequena a ponto de uma história sobre assassinato as levar a cometer assassinato… ou uma sobre roubo as levar a cometer roubo?
Jimmy Walker (ex-prefeito de Nova York) disse uma vez que nunca viu uma garota estragar sua vida por causa de um livro.
Assim, também ninguém vai destruir sua vida por causa de uma revista em quadrinhos. Já foi visto em testemunhos anteriores que nenhuma criança saudável e normal se tornou uma pessoa pior só por ter lido uma revista em quadrinhos…
Acredito que nada que já foi escrito até hoje pode fazer uma criança se tornar agressiva, hostil ou delinquente. As raízes dessas características são muito mais profundas.
A grande verdade é que a delinquência é produto do ambiente em que a criança vive; e não da ficção que ela lê.”

As origens e a história do Comics Code Authority em particular será tema de uma matéria em duas partes no futuro próximo, mas você pode conferir os outros textos sobre a história da EC Comics aqui, aqui e aqui. O discurso de Gaines e outros áudios das audiências do Subcomitê estão disponíveis na internet (em inglês, claro). Ouça-os aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Autor: Amanda Paiva

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