Sarjeta do Terror #20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

Na segunda parte sobre o terror nas grandes editoras, conheça um pouco mais da relação da Marvel com as histórias de terror.

capapost20

Das duas grandes editoras, a Marvel Comics talvez seja a com mais “pé” no terror. E não é muito difícil reparar nisso ainda hoje. Pensem em alguns dos personagens: Um feiticeiro que ultrapassa dimensões; um deus nórdico que enfrenta criaturas místicas; um cientista que se transforma num grande monstro verde; um jovem que tem as habilidades de uma aranha; um quarteto formado por um monstro de pedra, um cara que pega fogo, uma mulher que fica invisível e um cara que se estica. E assim por diante. Como veremos nesta matéria, a relação da Marvel com o terror vem de longe, antes mesmo de sua própria existência.

O Terror na Marvel Comics

Apesar de normalmente ser lembrada como uma editora que iniciou seus trabalhos nos anos 60, a história da Marvel começa ainda na Era de Ouro dos quadrinhos, mais precisamente em 1939, quando Martin Goodman funda a Timely Publications, uma editora voltada para títulos pulp. A Timely era apenas uma das empresas da Red Circle Publishing, nome “guarda-chuva” de um grupo de empresas de publicação de livros e pulps liderada por Goodman. Com a criação da revista Marvel Mystery Comics, a Timely se aventurava pelo suspense/terror e pelo que logo se consolidava como o gênero dos super-heróis. Personagens como o Tocha Humana original e Namor estavam entre os carros-chefe da revista. Nos anos 40, a Timely Comics já estava consolidada no mercado.

Nos anos 50, o pós guerra trouxe uma queda acentuada na popularidade dos super-heróis, gênero no qual Tocha Humana, Namor e Capitão América – os carros-chefe da editora – se encontravam. Com a baixa popularidade desses personagens e consequente cancelamento de seus títulos, Martin Goodman colocou seus comics sob a asa de outra de suas companhias, a Atlas Inc, e passou a publicar quadrinhos de gêneros variados, como Western, Romance, animais engraçados e, é claro, terror.

Olhando para os sucessos de outras mídias (como os dramas de guerra e western na TV e cinema, além dos filmes de monstros), Martin Goodman expandiu seus títulos nessas áreas, mantendo, em particular, diversos títulos ligados ao terror/sci-fi/fantasia, como Adventure into Mystery, Adventures into Terror, Adventures into Weird Worlds, Amazing Adventures, Amazing Mysteries, Astonishing, Chamber os Chills, Journey into Unknown Worlds, Menace, Mistery Tales, Supernatural Thrillers, Uncanny Tales, World of Mystery, World of Suspense, entre muitos outros. Alguns destes títulos, como Marvel Tales, já existiam na época da Timely e outros se “transformaram”, como Sub-Mariner (do Namor), que continuou como Amazing Mysteries.

Com o sucesso desses títulos, diversos outros surgiriam, tornando-se a “ponte” entre os monstros da Atlas e os super-heróis da futura Marvel Comics. Entre os títulos estavam Journey Into Mistery (que continuou na Marvel e introduziu heróis como Thor), Strange Tales (que na Marvel introduziu Doutor Estranho, Nick Fury – Agente da SHIELD, Irmão Voodoo e Manto & Adaga, entre outros), Tales of Suspense (que introduziu Homem de Ferro), Tales to Astonish (que introduziu o Homem-Formiga), e por aí vai.

Os monstros dos anos 70

Como para a Marvel o gênero de terror não era nem um pouco estranho, não é de surpreender que a revisão do Comics Code (que permitiu uma certa flexibilização nas restrições do que se poderia abordar nas Hqs) abriu caminho para a editora começar a produzir novos personagens mais voltados para o gênero.

Numa destas iniciativas, criou a revista Marvel Spotlight, que servia como um “laboratório”, onde novos personagens eram testados e, caso fossem populares o bastante, poderiam ganhar um título próprio. Entre eles estava Werewolf by Night, sobre um homem vítima de uma maldição ancestral de família que o transforma em um lobisomem e usa essas habilidades para o bem; Motoqueiro Fantasma, adaptado de um personagem de Western da era de ouro, contava a história de um motoqueiro que fez um pacto com um demônio; Hellstrom, visto pela primeira vez na HQ do Motoqueiro Fantasma, mas que depois pulou para Marvel Spotlight. Todos estes personagens citados ganharam títulos próprios.

Com títulos sobrenaturais como Werewolf by Night e Motoqueiro Fantasma tendo grande aceitação do público, a Marvel continuou lançando outras Hqs. Revitalizou Drácula em A Tumba do Drácula, uma espécie de sequência da obra original, onde um descendente do vampiro se alia à descendente de Van Helsing para caçar um Drácula recém-ressuscitado.

Outro personagem que surgiu durante esse período foi Blade, o caçador de vampiros. O herói, filho de uma mulher humana com um vampiro, podia caminhar durante o dia e surgiu apropriadamente na revista A Tumba do Drácula. Apesar de sempre pintar aqui e ali em diversas revistas da Marvel Comics, Blade nunca teve grande destaque nos quadrinhos, até que o filme baseado no personagem e estrelado por Wesley Snipes popularizou o personagem para o grande público. Houve tentativas de dar um título próprio ao personagem, todas de curta duração.

O Homem Coisa

Savage Tales, tentativa da Marvel de fazer uma HQ mais ao estilo “Magazine” para rivalizar com editoras como a Warren (que publicava Creepy, Eerie e Vampirella) e a Skywald, trouxe outro dos personagens sobrenaturais recorrentes da editora: O Homem Coisa. Na história, Ted Sallis é um bioquímico, que foi contratado pelo governo para desenvolver um soro que tornasse humanos resistentes à doenças, mas o resultado final transformava as pessoas em monstros. Durante um ataque terrorista, ele injeta-se com o soro para que não caísse em mãos erradas e se torna o Homem Coisa.

De todos os personagens da Marvel mais voltados para o terror, Homem Coisa é um dos mais consistentes e duradouros, tendo aparecido em uma série de revistas das mais diversas, além de ter tido histórias próprias. Teve uma adaptação cinematográfica de baixo orçamento levemente baseada nas suas histórias e foi mencionado em um episódio da primeira temporada de Marvel’s Agents of SHIELD.

 

Tradicionalmente, os quadrinhos norteamericanos de super-herói sempre tiveram uma estreita história com o terror – uma vez que ambos derivam, de certa forma, dos pulps. Por isso, não é de surpreender que frequentemente estes gêneros se cruzem, seja na DC ou na Marvel. Mas tendo a Marvel sido forjada essencialmente a partir de comics de terror, se torna compreensível que o universo de super-heróis da editora seja povoado por monstros, pessoas atormentadas, alienígenas estranhos e todo tipo de maluquice com um pé no gênero de terror.

Curiosidades
– Não foram apenas Hqs de terror e fantasia da Atlas que migraram para a Marvel e se tornaram títulos de Super-herói. Patsy Walker, protagonista de uma série de Hqs de romance/humor da Atlas, acabou se tornando posteriormente a super-heroína Hellcat no Universo Marvel. A personagem poderá ser vista inclusive na vindoura série Jessica Jones, do Netflix. Se sua persona super-heróica irá aparecer na série ou não, ainda é incerto;
– A Marvel começou a ensaiar seu retorno ao terror com o vilão Morbius. Criado nas páginas de Homem Aranha, sua origem mais sci-fi garantia que a editora pudesse ter seu próprio vampiro sem que tivesse problemas com o Comics Code;
– Apesar da semelhança óbvia com o Monstro do Pântano, Homem-Coisa foi lançado um ano e meio antes do monstro da DC. Coincidentemente, Gerry Conway, criador do Homem Coisa, e Len Wein, criador do Monstro do Pântano, dividiam um quarto juntos pouco tempo antes. Mesmo assim, ninguém na Marvel ou na DC (incluindo os autores) acha que se trata de fato de um plágio, e que isso seria apenas uma coincidência. Plágio ou não, os dois personagens lembram muito a criatura do pântano criada no conto It, de Theodore Sturgeon, que foi adaptado para quadrinhos lá pelos anos 50 em Supernatural Thrillers, da Marvel.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Autor: Amanda Paiva

Publicitária piauiense que se perdeu em terras estranhas o.o