Os quadrinhos de terror começaram nos EUA como um subgênero do pulp, mas especificamente o “weird manace”, e só no final dos anos 40 que se tornaram um gênero à parte, consolidando-se nos anos 50. Mas o horror sempre foi amigável a outros gêneros, com destaque para ficção científica e fantasia. No Brasil, o erotismo era um aspecto recorrente das histórias, tanto de algumas hqs trazidas de fora (especialmente as hqs italianas de terror) quanto nas produções nacionais.
Por isso, é importante lembrar da Grafipar, clássica editora sediada em Curitiba e que fez história nos quadrinhos nacionais. Fundada em 1977 por Faruk El-Katib, a Grafipar tinha como característica hqs produzidas no Brasil destinadas ao público adulto, com temática erótica, misturada a outros gêneros, inclusive o terror. Incialmente produzidas por Claudio Seto, Liessenfeld, Kussumoto, Ataíde, Julio Shimamoto, Magno, Eros Maichrowicz, Val Ferreira e Sebastião Seabra, seu sucesso permitiu abrir as portas para uma porção de outros artistas e veteranos da época, entre eles Franco de Rosa, Flávio Colin, Walmir Amaral, Itamar, Rodval Matias, Mozart Couto, Luis Saidemberg, Paulo Hamasaki, Bonini e Watson Portela. Em 1984, a editora fechou as portas, mas não sem antes fazer história nos quadrinhos nacionais. Entre as muitas hqs publicadas pela Grafipar, destacam-se Eros (1978), Próton (1978), Neuros (1978), Perícia (1979) e Volúpia (1980). A história da Grafipar pode ser conferida no livro Grafipar – A Editora que saiu do eixo, de Gian Danton.
Frustrados com a falência da Grafipar, J. B. Guimarães e Sergio C. Guimarães fundaram a Press, que originalmente era para ser “Maciota”, mas este nome acabou sendo reservado para o selo de sexo e humor picante da editora. É na Press que Franco de Rosa finalmente assume o posto de editor-chefe. Dentre as produções de terror, destacaram-se as revistas Mundo do Terror (1985), Spektros (1985), Vampiro (1985), Medo (1985), Gritos de Terror (1986) e Horror (1986).
Vale destacar também a editora D-Arte, de Rodolfo Zalla e Eugeno Colonnese, criada em 1967. Inicialmente, a D-Arte era um estúdio que prestava serviços a outras editoras. Além dos fundadores, a D-Arte tinha uma equipe de peso, formada por artistas como Luis Meri, Rubens Cordeiro, Maria Helena Fonseca, entre outros. A qualidade das histórias e embasamento histórico e visual criada dentro de prazos que outros artistas não eram capazes de cumprir garantiu a sobrevivência do estúdio até 1969. Em 1981, Zalla e Colonnese retomam a D-Arte, agora como editora, passando a se focar especialmente na produção de terror, com as as hoje clássicas revistas Calafrio (1981) e Mestres do Terror (1983).
Os anos 80 foram acabando, mas o fôlego das hqs de terror continou. Enquanto a Abril trazia arcos clássicos de personagens como Monstro do Pântano e Sandman, personagens do gênero de super-herói que flertavam com o terror, produções underground como Porrada!, Special e Animal também trabalhavam de vez em quando com o tema. Em 1987, a L&PM republica O Estranho Mundo de Zé do Caixão, e a Catânea compila diversas das histórias de Eugenio Colonnese no álbum Histórias de Terror de Eugênio Colonnese.
Na década de 90
A partir dos anos 90, os quadrinhos de super-herói tomam conta das bancas e passam a dividir espaço com a explosão dos mangás, mas os quadrinhos de terror não foram esquecidos – embora as produções nacionais começassem a perder espaço para o material vindo de fora. Mesmo não sendo considerados exatamente terror, merecem destaque a publicação no Brasil de Akira (1990), pela editora Globo, e Crying Freeman (1990), pela Nova Sampa editora. A Nova Sampa publicaria também, em 1996, À Meia-Noite Levarei Sua Alma, adaptação do filme de 1967 protagonizado pelo Zé do Caixão. Pouco antes, a editora havia contribuído para o gênero com Drácula – A sombra da Noite (1985), Horas de Vampiro (1986) e Mistérios das Trevas (1986).
A L&PM publicou, nesta época, algumas hqs de terror, como Macumba Macabra (1990), Bradbury – O Papa-defuntos (1990) e Bradbury – O Pequeno Assassino (1991), estes últimos compilando histórias de Ray Bradbury adaptadas pela E.C. nos anos 50. A Abril seguiu publicando material do gênero: lançou Deadman (1990) e Hellraiser (1991), além de ter começado a publicar os títulos da Vertigo, como Hellblazer (1995), Santo dos Assassinos (1996) e Morte – O Grande Momento da Vida (1996). A Abril publicaria também outras hqs que misturavam heróis e horror, como Spawn (1996) e Kiss – Psycho Circus (1999). A editora Record, existente desde os anos 40, entrou no terror apenas nos anos 90, quando trouxe Dylan Dog (1991) para o Brasil e editou Cripta do Terror (1991), republicando as histórias clássicas da E.C. Tanto Dylan Dog quanto Cripta tiveram vida curta, mas o primeiro ainda seria publicado de forma irregular durante as décadas subsequentes.
A revista Spektro foi relançada por Ota em 1994, sem muito sucesso. Ota seguiu no terror em 1995, na Ediouro, com a Coleção Assombração, que trazia veteranos como Flávio Colin, Julio Shimamoto e Mozart Couto, além de novos artistas. Hellboy chega ao Brasil em 1998 pela Mythos Editora. Do lado dos nacionais, HQ – Revista do Quadrinho Brasileiro foi publicada pela Escala e trazia histórias de diversos gêneros, incluindo terror. Teve vida curta, assim como a versão brasileira da Heavy Metal e sua irmã, Metal Pesado.
As hqs de terror do Brasil no século XXI
Com títulos de super-herói que flertavam com o horror encontrando caminho por aqui, além do selo Vertigo e suas histórias voltadas para leitores adultos, a editora Atlantis tentou trazer títulos da Chaos Comics, como Lady Death e Chastity. Infelizmente, a iniciativa não durou muito.
Uma editora que merece destaque no início do novo milênio é a Opera Graphica. Um braço da banca que logo se tornaria a hoje bastante conhecida Comix Comic Shop, a Opera Graphica começou como um selo, em 1998, fundado por Carlos Mann, dono da Comix, e Franco de Rosa. De início, o selo trabalhava principalmente para a editora Escala, até que se tornou uma editora ela mesma.
Como editora, a Opera Graphica reeditou obras clássicas do horror brasileiro com a coleção Opera Horror, que trouxe Morto do Pântano, de Eugenio Colonnesse e No Reino do Terror, de R.F Luchetti (2005). Além disso, trouxe também material estrangeiro, em especial diversos materiais da Vertigo e outras publicações de super-heróis DC. A Opera Gráphica operou até 2009, quando encerrou suas atividades. Após o fim da Opera Graphica, Franco de Rosa fundou a Kalako, em 2010, cujas contribuições para o gênero incluem Fikom – O herói do Universos dos Sonhos (2012), uma reedição das histórias do clássico personagem criado por Fernando Ikoma, e Zumbis e Outras Criaturas das Trevas (2013).
No fim do primeiro milênio, também surgiu a editora Brainstore, que começou publicando a Turma do Senninha e logo passou a variar sua cartela de hqs. Publicou diversos especiais da Vertigo, incluindo histórias do universo de Sandman, Monstro do Pântano, Preacher, além de publicações como Hell Eternal – Inferno em Vida (1999), Ao Cair das Sombras (2001) e A Brigada dos Encapotados (2003), entre outras. Além da Vertigo, também publicou material da DC, como especiais do Batman e a revista Dark Heroes (2002), que trazia personagens como Desafiador, Vingador Fantasma, Espectro, Solomon Grundy, entre outros, e outros materiais relacionados ao gênero, como A Estranha Turminha de Zé do Caixão (1999), a alternativa Canalha (2000) e a autoral Noite de Caça (2004). A Brainstore encerrou as atividades em 2005.
No lado oriental, a editora JBC tem publicado, até hoje, um número respeitável de mangas de horror. Criada originalmente em Tóquio como uma redistribuidora de jornais em língua portuguesa no Japão, passou a publicar seu próprio jornal em 1993 e, em 1997, lançou sua primeira publicação no Brasil, a revista Made in Japan. Entre as diversas publicações nipônicas de horror ou relacionadas, podemos destacar Samurai X (2001), Death Note (2007), Hellsing (2008), Neon Genesis Evangelion (2010), a antologia Manga of the Dead (2013), All You Need is Kill (2014), a adaptação de Gou Tanabe para histórias do H.P. Lovecraft em O cão de Caça e Outras Histórias (2015), Blade – A Lâmina do Imortal (2015) e O Homem que Foge (2017), entre outros.
Ainda dentro dos Mangas, podemos citar também a editora New Pop, que publicou, entre outras obras Dark Metrô (2008), Vampire Kisses – Laços de Sangue (2009), hqs baseadas na série Supernatural como A Origem (2009), Os Caça-Fantasmas (2009), Corpse Party: Musume (2014), Don Drácula, (2015), Helter Skelter (2015) e Suicide Club (2017). Outras editoras publicaram, esporadicamente, mangas de horror, inclusive alguns dos clássicos, como a Conrad, que publicou Uzumaki, de Junji Ito (2006), a Zarabatana, que publicou A Serpente Vermelha, de Hideshi Hino (2007), a Panini, que publicou Hideout (2010) e a editora Astral, que publicou a coletânea sobre yokais Anormal (2014).
A Avec Editora, fundada em 2014 por Artur Vecchi, segue o legado da família que, décadas antes, fundou uma das editoras mais importantes para os entusiastas do terror nacional, a Vecchi. Embora não publique apenas histórias em quadrinhos e nem apenas obras de terror, a editora já conta com publicações respeitáveis do gênero, como Beladona (2014), Carnívora (2015), Dionísio (2015), Galícia: A Casa Na Árvore (2016) e a fantástica obra sueca Alena (2017).
A editora Draco também tem sua contribuição para os quadrinhos de terror ou obras que flertam com o gênero, como a alternativa Imaginários em Quadrinhos (2013), Terra Morta (2014), Cortabundas – O Maníaco do José Walter (2014), O Rei Amarelo em Quadrinhos (2015), o Despertar do Cthulhu em Quadrinhos (2016) e Fome dos Mortos (2017). Outras editoras que também valem destacar são a HQM, que publica Os Mortos-Vivos (2006), além do primeiro volume de Necronauta, de Danilo Beyruth (2011), e a New Order, que publicou a versão nacional de The X-Files Classics, que traz as hqs baseadas na série Arquivo X publicadas pela Topps Comics nos anos 90 (2016).
A editora mais recente que tem se destacado no gênero de Terror é a Darkside Books, que lançou a antologia de horror de Junji Ito Fragmentos do Horror, Atômica – A Cidade Mais Fria, que inspirou o filme com Charlize Theron, Meu Amigo Dahmer, Wytches e recentemente anunciou o lançamento de Creepshow, primeira hq escrita por Stephen King nos anos 80 e desenhada por Berni Wrightson. Todos esses títulos são de 2017.
Como menções honrosas, preciso citar também obras que fazem muito pelo terror nacional, seja pela sua inovação, pela sua qualidade editorial ou artística, porque certamente servirão de influência para muitos autores no futuro ou simplesmente por botar a cara na rua e publicar por conta própria: Prontuário 666 – Os anos de cárcere de Zé do Caixão, de Adriana Brunstein e Samuel Casal (Conrad, 2008); Mundo Paralelo, que tem histórias de Mozart Couto, Eduardo Cardenas, Watson Portela, Walter Pax, João Azeitona, Gian Danton, Fabio Cobiaco, entre outros (independente, 2012); Mórbido, Maléfico e Maldito Gibi, de Eduardo Cardenas (independente); Vigor Mortis Comics volumes I e II, de José Aguiar, Paulo Biscaia, DW Ribatski e André Ducci (Quadrinhofilia, 2011; Zarabatana Books, 2014); Dora, de Bianca Pinheiro (Independente, 2014); Unhas, de Ieda Marcondes e Olavo Costa (Escrita Fina, 2014); e Somner, de Dimítria Elefthérios (Independente, 2015).
É claro que é impossível rastrear tudo que tem saído de quadrinho de terror atualmente. O que é ótimo, pois indica que o gênero não só está mais vivo do que nunca, como há variedade suficiente para todos os gostos. Por ora, peço desculpas por qualquer negligência acidental.
Os quadrinhos de terror no Brasil continuam firmes e fortes, com muita produção vinda de fora e muitos independentes mantendo viva a chama do terror tupiniquim. Se você gosta do gênero, faça um favor a si mesmo e, periodicamente, procure nos sites de livrarias o que tem de novidade. E, se você se importa com a produção nacional, fique de olho nos independentes, seja na internet, seja em eventos do gênero, pois tem muito material bom por aí, mesmo que não publicado por editora.
Edições anteriores:
38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1
37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)
35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)
34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)
33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson
32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho
30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife
29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla
28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação
27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1
26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro
25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code
24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão
23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X
22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese
21 – Terror nas grandes editoras, parte final
20 – Terror nas grandes editoras, parte 2
18 – Terror nas grandes editoras, parte 1
17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness
16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final
15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto
14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1
13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas
12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura
11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz
10 – EC Comics, parte 3: o fim
9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga
8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)
7 – EC Comics, parte 2: o auge
6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional
5 – EC Comics, parte 1: o início
4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo