Sarjeta do Terror # 41 – O Homem Coisa

Originalidade é, definitivamente, uma palavra complicada de se usar no ramo artístico, especialmente nos quadrinhos, uma vez que basicamente tudo o que era original foi criado nos anos 40 e reinventado nos anos 60. Sobra muito pouco para se criar de (boas) novidades, e nem estamos nos referindo à escassez de criatividade, mas sim de qualquer época posterior aos anos 60. O que nos traz ao Homem-Coisa.

Ted Sallis é um bioquímico, que foi contratado pelo governo para desenvolver um soro que tornasse humanos resistentes à doenças, garantindo proteção à soldados em caso de guerra biológica. A fórmula foi desenvolvida, mas tinha um terrível efeito colateral: transformara as cobaias em monstros. Outro cientista foi enviado para aperfeiçoar a fórmula, a fim de criar uma nova versão do soro do supersoldado (que criara, décadas antes, o Capitão América); Mas antes de conseguir completar seus experimentos, a base fora atacada por uma unidade terrorista que queria roubar a fórmula. Sallis injetou a fórmula em si mesmo para que não caísse em mãos erradas, mas acabou sendo morto pelos terroristas e jogado no pântano. Algum tempo depois, uma criatura de olhos vermelhos, formada por lodo e plantas surge no local onde Ted Sallis havia sido despejado, uma simbiose do corpo e da alma do cientista com o próprio pântano, produzida pela fórmula do soro do supersoldado não finalizada. Esse monstro passou a ser conhecido como o Homem-Coisa, e tornou-se um empata com inteligência primária e sem aparentes traços de humanidade, capaz de queimar pessoas com o seu toque quando elas sentem medo.

Homem-Coisa (The Man-Thing) foi criado por Stan Lee, Roy Thomas, Gerry Conway (história e roteiros) e Gray Morrow (arte) e publicado pela primeira vez na revista Savage Tales #1 (1971), um ano e meio antes do Monstro do Pântano. Depois da estreia, o personagem passou a ser regular na revista Adventures into Fear – a partir do número 10 (1972), inicialmente por Conway e Morrow (com arte-final de Howard Chaikin), mas logo seriam sucedidos por Steve Gerber (que se tornou o roteirista mais associado ao personagem) e Rich Buckler.

A partir da edição 19, Homem-Coisa pulou para título próprio, que durou 22 edições (1974-1975) e foi desenhada por Val Mayerik, Mike Ploog, John Buscema, and Jim Mooney. Além dela, foi criada uma revista irmã quadrimestral chamada “Giant-Size Man-Thing” (sim, isso mesmo) que, além do personagem, também figurava reimpressões de histórias de horror e fantasia dos anos 50-60 e histórias solo de Howard, o Pato (o mesmo personagem que faz ponta nos dois filmes dos Guardiões da Galáxia).

Com o fim da revista, no número 22, Homem-Coisa passou a ter aparições esporádicas em outras publicações, geralmente escritas por Steve Gerber, além de histórias curtas na revista Marvel Comic Presents (1988-1989). O personagem apareceu também algumas vezes na antologia regular “Monsters Unleashed”, a partir de 1973 (não confundir com a recente saga da Marvel de mesmo nome, que homenageou essa revista). Entre 1979 e 1981, um segundo volume da revista do Homem-Coisa foi publicado, com Michael Fleisher escrevendo os primeiros números, mas logo sendo substituído por Chris Claremont (roteiro), Don Perlin (desenhos) e Bob Wiacek (arte-final). J.M Dematteis foi outro roteirista que escreveu histórias do personagem em revistas diversas.

Nos anos 2000, Homem-Coisa apareceu em diversas histórias one-shots e séries limitadas e, em 2008, teve sua origem recontada para o selo Marvel Max (uma espécie de versão Marvel da Vertigo). Nos anos mais recentes, Homem-Coisa apareceu na revista do Justiceiro durante o arco “Franken-Castle”, em megassagas como Secret Wars e em uma mini-série própria escrita por R.L. Stine em 2017.

 

Em outras mídias

Com a criação da Marvel Studios e a possibilidade da Marvel levar ela própria seus personagens para as telas (e fazê-los fiéis às Hqs), seguiu-se uma série de superproduções que, em 2018, culminam nos dois filmes de Guerra Infinita. Todos os filmes lançados pela Marvel Studios podem ser considerados “blockbusters”, por conta do orçamento investido acima de 100 milhões de dólares. Mas, em 2005 a Marvel decidiu produzir, junto com a Lionsgate e a Artisan, seu primeiro filme de baixo orçamento baseado em um personagem da casa, e assim foi lançada a produção The Man-Thing:

A história, apenas muito superficialmente baseada nas hqs, muda bastante os elementos da história original, colocando Ted Sallis como um xamã nativo-americano e o monstro como uma criatura capaz de manipular a vegetação, mudando o cenário dos Pântanos de Everglades para Lousiana (por acaso – ou não – o lar do Monstro do Pântano nos quadrinhos) e envolvendo uma empresa que quer drenar o pântano para retirar petróleo dali, entre outras coisas que colocam o filme com um foco de consciência ambiental. Para os fãs do gênero e dos comics, vale como curiosidade.

Além do filme, nos últimos anos, o personagem tem aparecido em diversas produções animadas da Marvel, como Super-hero Squad, onde ele se une ao Homem de Ferro e O Lobisomem para enfrentar Drácula; em Ultimate Spider-man, onde fez parte do Comando Selvagem; em Hulk and the Agents of S.M.A.S.H, no episódio “Hulking Commandos”; e no desenho dos Guardiões da Galáxia. Além disso, também foi mencionado em um episódio da série Marvel’s Agents of SHIELD (o que, tecnicamente, coloca o personagem no Universo Cinematográfico da Marvel).

Originalidade é, definitivamente, uma palavra complicada. Mas ser original não é, necessariamente, ser inédito, e uma obra pode ser apreciada, não pelo seu ineditismo, mas por como consegue utilizar elementos já abordados de formas interessantes e criativas. E o Homem-Coisa é um exemplo de personagem que, apesar das relações com outras criaturas do pântano, segue sendo uma criatura distinta das suas contrapartes e que merece seu lugar no rol dos monstros sobrenaturais da Marvel Comics.

Curiosidades:
– Savage Tales foi uma revista da Marvel feita à moda da Warren publishing, num formato (magazine) que permitia “escapar” do escopo do Comics Code Authority. Além do Homem Coisa, a primeira edição também contou com histórias de Conan e de Ka-zaar;
– Diversos artistas ilustraram as fantásticas capas pintadas de Savage Tales, entre eles John Buscema, John Romita, Neal Adams e Boris Vallejo;
– Outros Homens-Coisa já apareceram no Universo Marvel: um residente da Terra Selvagem, cujo sangue foi usado para ressuscitar Shanna; os residentes da floresta de Homens-Coisa no Battleworld (mundo criado após o fim do universo Marvel tradicional na saga Secret Wars); e uma She-Man-Thing, que apareceu na revista Deadpool’s Secret Secret Wars;
– Coincidentemente, Gerry Conway e Len Wein (criador do Monstro do Pântano) dividiam um quarto juntos pouco tempo antes. Apesar dos pesares, ninguém na Marvel ou na DC (incluindo os autores) acha que se trata de fato de um plágio. Até porque os dois personagens lembram muito The Heap, criado em 1942, e o personagem do conto “It”, de Theodore Sturgeon, publicada em 1940 (e adaptada para quadrinhos em 1972 na revista “Supernatural Thrillers”, da própria Marvel). Independente da originalidade dos personagens, e diferente do Monstro do Pântano (que alcançou grande status e popularidade, especialmente por conta da passagem de Alan Moore pelo título nos anos 80), o Homem-Coisa nunca foi de fato tão popular, apesar de ser uma referência “cult” no universo Marvel;
– O filme do Homem-Coisa era para ser lançado diretamente para vídeo, pois a Marvel não acreditava no sucesso comercial do filme (aparentemente eles estavam certos). Mesmo assim, o filme foi lançado nos cinemas apenas na época do Halloween, para logo depois ser incluído em vídeo;
– Vários personagens do filme são nomeados em homenagem à autores e desenhistas do personagem, como Steve Gerber, Mike Ploog e Val Mayerik.

 

Edições anteriores:

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Autor: Amanda Paiva

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