Filme: A Forma da Água [Review]

O cinema pode ser visto apenas como entretenimento, mas existem aquelas que também pegam pela emoção, levando quem aceite entrar na sua jornada a uma viagem além da imaginação, e o filme de hoje é um bom exemplo disso. A Forma da Água foi o filme com mais indicações no Oscar deste ano e ao assisti-lo você consegue entender o porquê.

Os mundos criados nos filmes de Guillermo del Toro são fantásticos mesmo quando passados no mundo real, e aqui temos uma história ambientada nos EUA dos anos 60, onde a jovem muda Elisa (Sally Hawkins) trabalha na limpeza de um laboratório secreto do governo em plena guerra fria. Quando uma criatura aquática humanoide (Doug Jones) chega ao local para ser estudada, Elisa acaba criando um forte laço afetivo com a mesma. No elenco Michael Shannon, Richard Jenkins e Octavia Spencer.

São diversas as influências de Del Toro para este filme, a mais óbvia é O Monstro da Lagoa Negra, um filme da década de 50 de onde a criatura anfíbia foi inspirada, porém a película homenageia o cinema clássico de terror em si (através de seus enquadramentos, iluminação, fotografia e afins) e também a outras obras onde o amor transcende aparência ou especie como A Bela e a Fera. Toda a trama é construída através de detalhes e sutilezas, elementos de narrativa que parecem simples mas vão se entrelaçando e compondo todo o corpo da história onde nada é desperdiçado.

A trilha sonora do francês Alexandre Desplat alterna entre o suave e o intenso, usada como elemento de transição de cena junto com a edição de som de forma primorosa. Toda a atmosfera do filme em si é muito bonita, colaborando com o ar feérico que Del Toro coloca em seu mundo, imaculado mesmo contendo algumas cenas eróticas. Existe uma certa teatralidade nas atuações que também encanta, uma construção de época romântica que permite a história trabalhar assuntos como preconceito, racismo e abuso de poder sem parecer panfletário ou expositivo demais, porém bastante maniqueísta.

Para fugir do estereótipo, Del Toro quis uma protagonista que fosse bela não por se enquadrar num padrão “modelo capa de revista”, e sim pela sua personalidade, carisma, liberdade e outras coisas que a atriz Sally Hawkins conseguiu incorporar muito bem. O fato da personagem ser muda exige que ela trabalhe bastante a linguagem corporal, nos fazendo sentir ela gritar em um momento de intensidade, ou sussurrar em momentos de ternura apenas com os gestos.

Além do trabalho impecável de Doug Jones, figurinha carimbada nos filmes de Del Toro quando o mesmo precisa de uma performance de criatura, o vilão encarnado por Michael Shannon também merece destaque, com sua expressão pesada e dura, mostrando que assim como em O Labirinto do Fauno, Del Toro cria vilões mais monstruosos que suas criaturas – exatamente por serem humanos. Interessante notar que as pessoas que cercam Elisa são muito falantes, praticamente preenchendo o espaço do som que ela não faz.

Drama, romance, fantasia, conto de fada moderno, acho que A Forma da Água pega emprestado coisas de vários gêneros (até mesmo musical) e apresenta uma jornada cheia de sutileza nostálgica, uma grande ode cinematográfica feita para aqueles que conseguem mergulhar em outros mundos sem medo. Mesmo com uma trama simples e previsível, a forma como o diretor a conta é fabulosa em sua mistura as vezes bizarra, as vezes encantadora.

Autor: Róger

Criador da serie de quadrinhos Dragão Escarlate, trabalhou com sketch cards da Marvel e da DC Comics, ilustrações para a revista Dragon Slayer ligadas a RPG, além de arte-final para Smallville Season 11 (DC Comics). Atualmente produz a série de webcomics Offline e escreve reviews de cinema para o site do Dínamo Estúdio.