Sarjeta do Terror #48 – Criadores de terror: Steve Ditko

O Sarjeta do Terror deste mês homenageia um dos artistas mais influentes dos quadrinhos: Steve Ditko. Mais conhecido por sua passagem na Marvel, Ditko também deixou sua marca nos quadrinhos de terror.

No dia 29 de Junho, o mundo dos quadrinhos ficava sabendo que Steve Ditko havia falecido. Recluso e com valores pessoais bastante fortes, Ditko estava fora do circuito “mainstream” dos quadrinhos há muito tempo, mas sua influência nunca deixou de ser sentida. Apesar de ser mais conhecido como co-criador do Homem-Aranha e de personagens como O Questão e Doutor Estranho, Steve Ditko sempre navegou, de uma forma ou de outra, pelo terror. É por isso que a coluna de hoje homenageia este monstro das Hqs.

Steve Ditko nasceu no dia 2 de novembro de 1927, na cidade de Johnstown, Pensilvânia. Filho de dois descendentes ucranianos, um carpinteiro e uma dona de casa. Ditko era um dos quatro filhos em uma típica família de classe trabalhadora americana e seu interesse pelos quadrinhos veio desde cedo. Seu pai era fã das páginas de quadrinhos publicadas nos jornais (especialmente O Príncipe Valente, de Hal Foster), mas foi com o surgimento de Batman e Spirit que seu gosto pela mídia realmente floresceu.

Mesmo jovem, Ditko era uma espécie de herói em seu próprio mérito: no ensino médio, construía modelos de madeira de aviões alemãs para ajudar civis que vigiavam aeronaves; após a faculdade, se alistou no exército e prestou serviço na Alemanha pós-guerra, inclusive fazendo quadrinhos para um jornal do exército.

Depois de sair do exército, já nos anos 50, Ditko se mudou para Nova York para poder ter aulas com seu ídolo, Jerry Robinson (mais conhecido por seu trabalho com Batman). Isso foi possível graças à uma lei americana, que ajudava a facilitar o retorno à vida cotidiana de veteranos da Segunda Guerra. Robinson frequentemente levava pessoas da indústria para falar com os alunos; um deles foi Stan Lee, na época editor da Atlas Comics – precursora da Marvel.

O primeiro trabalho de Steve Ditko já tinha um pé no horror. Curiosamente, só foi publicado bem mais tarde, na edição número 5 da revista Fantastic Fears, da Ajax/Farrell. Isso fez com que seu primeiro trabalho publicado fosse, na verdade, seu segundo trabalho produzido – publicado na primeira edição da revista Daring Love, da Gilmor Magazines.

Os primeiros trabalhos de Ditko: a história “Stretching Things”, para Fantastic Fears #5 (1954), e “A Hole in His Head”, para Black Magic #27 (vol. 2 #3, 1953).

Não demorou muito para ele conseguir trabalho no estúdio de Joe Simon e Jack Kirby, que haviam criado o Capitão América na década anterior. Lá, Ditko começou como arte-finalista dos cenários e passou a trabalhar com outro de seus ídolos, Mort Meskin. Entre as revistas nas quais trabalhou, estavam a publicação de horror e suspense de Simon e Kirby chamada Black Magic.

Em 1953, Ditko iniciou uma longa parceria com a Charlton Comics, que durou até o fim da empresa. Seu primeiro trabalho foi a arte de uma história para a revista de horror The Thing, mas logo seu trabalho se espalharia também para as revistas This Magazine is Haunted, Tales of the Mysterious Traveler, Space War e Out of This World.

Além dos super-heróis, Ditko trabalhou também nas revistas de horror, suspense e fantasia da Chalrton Comics.

Ditko começou a trabalhar na “Marvel” ainda na época da Atlas , quando revistas como Journey Into MysteryTales of Suspense, Tales to Astonish e Strange Tales ainda eram revistas mais no formato de antologia e sem os super-heróis que conhecemos. Além dessas revistas, ele também trabalhou em Amazing Adventures e Strange Worlds.

Mas é claro que a realização mais lembrada de Ditko na Marvel envolve um certo cabeça de teia, em 1962. Conta a história que Stan Lee, após conseguir autorização do editor Martin Goodman para criar um super-herói adolescente baseado numa aranha, procurou seu parceiro habitual, Jack Kirby, para a tarefa. O resultado, no entanto, não agradou Lee, que achou o Homem Aranha do Kirby heroico demais. Então ele se voltou para Steve Ditko, que criou o visual e estilo que agradou Lee. Além do próprio Homem-Aranha, Ditko também colaborou com Stan Lee na criação de alguns vilões do personagem, como Doutor Octopus, Homem-Areia, Lagarto, Electro e Duende Verde.

Revistas da Atlas/Marvel Comics que Ditko trabalhou. Algumas delas introduziriam, mais adiante, super-heróis como Thor, Homem de Ferro, Homem Formiga e Doutor Estranho – este último criação do artista.

Após o Homem-Aranha, Ditko foi trabalhar com Lee na revista do Incrível Hulk e, quando encerrou suas atividades na revista, criou para Strange Tales o Doutor Estranho. Foi com esse personagem que o artista mostrou sua versatilidade estética e suas habilidades no design de imagens que remetiam ao surrealismo e basicamente antecipou a cultura psicodélica que viria mais adiante.

Depois de 1966, Ditko saiu da Marvel por questões internas que podem ser deixadas de lado nesse texto, e seguiu apenas na Charlton. A Charlton pagava menos, mas seus artistas tinham mais liberdade criativa. Ali, Ditko trabalhou em personagens como Besouro Azul, além de ter criado O Questão e co-criado o Capitão Átomo. Apesar do trabalho nas publicações de super-herói, Ditko seguiu nas hqs de horror, suspense e sci-fi da editora, como Ghostly Tales from the Haunted House, The Many Ghosts of Doctor Graves, Space Adventures e Ghost Manor, além de histórias de guerra, faroeste e românticas. Nessa época, Steve Ditko também trabalhou, ainda que por um curto período, para a DC Comics, onde foi o co-criador do personagem Rastejante e da dupla Rapina e Columba.

Ditko trabalhou na Charlton de forma intermitente até o encerramento da editora, nos anos 80, e sua subsequente compra pela DC Comics.

Em 1967, Ditko criou Mr. A para a revista independente do artista Wally Wood, Witzend. Personificando suas crenças no Objetivismo, as histórias giravam em torno de um repórter que também combatia o crime com a identidade de Mr. A, um vigilante de terno, gravata e chapéu que usava luvas e uma máscara metálica. O autor seguiu publicando histórias de Mr. A de forma independente pelos mais diversos meios até o fim dos anos 70, retornando brevemente ao personagem em 2000 e 2009.

No final dos anos 60, o artista também trabalhou para a Warren Publishing. Foram ao todo 16 histórias que alguns consideram os melhores trabalhos do artista: “The Spirit Of The Thing”, “Beast Man”, “Blood Of The Werewolf”, “Second Chance”, “Where Sorcery Lives”, “City Of Doom”, “The Sands That Change” e “Collector’s Edition”, publicadas na Creepy, e “Room With A View”, “Shrieking Man”, “Black Magic”, “Deep Ruby”, “The Fly”, “Demon Sword”, “Isle Of The Beast” e “Warrior Of Death”, publicadas na Eerie.

Na primeira metade dos anos 70, Ditko trabalhou quase que exclusivamente com a Charlton, dividindo seu tempo apenas com algumas editoras pequenas e independentes. Em 1975, Ditko retornou à DC e permaneceu por um período mais longo, onde criou o personagem Shade (que apareceu no Esquadrão Suicidade do John Ostrander e mais tarde seria reformulado, sem seu envolvimento, para o selo Vertigo), co-criou a minissérie Stalker com Paul Levitz, trouxe de volta personagens que estavam no limbo como o Rastejante e Etrigan e desenhou uma minissérie do Morcego Humano, além de ter sido artista convidado em séries como Legião dos Super-heróis e Adventure Comics. Em 1979, retornou à Marvel para substituir Jack Kirby na revista do Homem Máquina. Ali também desenhou os Micronautas e Capitão Universo. Seguiu como freelancer para a editora até os anos 90.

Algumas das histórias que o artista desenhou para Creepy e Eerie, da Warren, no fim dos anos 60.

Nos anos 80, Ditko seguiu fazendo trabalho freelancer para editoras independentes. Para a Pacific Comics, trabalhou em Captain Victory and the Galactic Rangers, introduzindo o personagem Missing Man, que apareceria depois na revista Pacific Presents, e em Silver Star, onde criou o personagem The Mocker. Além disso, trabalhou nas revistas Eclipse Monthly (Eclipse Comics), Warp (First Comics) e The Fly (o selo de super-heróis de vida curta da Archie Comics).

Em 1992, Ditko trabalhou com o roteirista Will Murray em um dos seus últimos personagens originais para a Marvel: a Garota Esquilo, em Marvel Super-Heroes vol. 2 #8. Ainda nos anos 90, o autor trabalhou na one-shot The Safest Place in the World (Dark Horse) e Dark Dominion (Defiant Comics).

Em 1998, se aposentou oficialmente dos quadrinhos mainstream. Seu último trabalho para editoras grandes foi uma história de cinco páginas dos Novos Deuses para a DC, que era para ser lançada na série do Órion no início dos anos 2000, mas que só foi publicado em 2008.

Após sua aposentadoria oficial do mainstream, o trabalho do autor se tornou intermitente. Sempre rejeitando aparições públicas, acreditando que seu trabalho deveria falar por si, Steve Ditko se isolou do mundo em seu estúdio, sem nunca realmente deixar de fazer quadrinhos. Pessoas mais próximas a ele dizem que, aos 90 anos (idade de sua morte), ele seguia produzindo quadrinhos em seu estúdio, onde foi encontrado.

Steve Ditko deixa um legado insubstituível, não só pelo seu estilo inconfundível, mas também pela criatividade no design e na narrativa das páginas, além de personagens únicos criados ao longo das décadas.

 

Curiosidades:
– Ditko alegava que O Questão é uma versão aceitável ao Comics Code do seu personagem independente, Mr. A;
– Se você ainda não ouviu, confira o ArgCast! feito em homenagem ao autor;
– Em 2007, a BBC lançou o especial “em busca de Steve Ditko”, em que o jornalista Johnatan Ross, com a ajuda de Neil Gaiman, tentam encontrar o artista. O programa está disponível no youtube, mas deixo aqui a parte final, onde eles vão até o estúdio do autor (em inglês, sem legendas).

Edições anteriores:

47 – 30 Dias de Noite

46 – Irmãs dos Contos da Cripta

45 – Contos da Cripta, dentro e fora dos quadrinhos

44 – Criadores de Terror: Reed Crandall

43 – Skywald Publications e o clima de horror

42 – Vampirella

41 – O Homem Coisa

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Autor: Amanda Paiva

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