Falar em Watchmen para leigos é como quando você explica porque o som de uma banda que todos julgam ruim é bom demais. Você adora a banda e sua obra, e tenta explicar o significado. E entende que as vezes é difícil, pois as pessoas que estão ali, em sua frente, ouvindo-o, não conhecem nada daquilo, ou tinha uma imagem pré-concebida do conjunto, do gênero musical, o que for…
Zack Snyder, que dirigiu a adaptação de Watchmen, estava nesta situação. Mesmo com a imensa legião de fãs (incluo-em nela) desta celebre obra de Alan Moore e Dave Gibbons, a industria do entretenimento (neste caso, o cinema) visa lucro. Algo muito simples e cristalino aos olhos e ouvidos de um estúdio como a Warner Brothers. E Watchmen – o Filme, esta nas salas de cinema não somente para os fãs deste quadrinho que é um bestseller, mas para o publico comum, que busca entretenimento fácil e rápido.
“Genial” é somente uma das palavras à se escolher para qualificar a maxi-série de 12 partes (ou graphic novel, entenda como quiser) escrita por Moore e ilustrada por Gibbons. Watchmen é um trabalho poderoso em sua totalidade. Os meros detalhes (para alguns) são a liga que edifica o universo da história, seus personagens. Cogitar uma adaptação em um filme (aos moldes dos blockbusters norte-americanos) é transformar um enorme tapete padronado em um mero pedaço de pano de chão. Analogias à parte, a tarefa de adaptar tamanha obra é hercúlea, árdua e até ingrata. Eu devo corrigir-me e não usar o passado na construção da frase no referente à adaptação, pois Snyder realizou esta adaptação, finalmente, depois de anos de especulação, com diretores abraçando e desistindo do projeto. Se ficou boa ou ruim, muitos podem concluir o que quiserem.
Mas, em minha humilde opinião, ela não teria como ficar melhor do que está em cartaz nos cinemas. Pelo simples fato de que nunca será completa, a não ser que tenha mais de 6 horas, e inevitavelmente corrompa, por esta transposição, a experiência metalinguística e de imersão dos sentidos que os quadrinhos de Watchmen possibilitam ao seu leitor.
Não estou tirando o mérito do diretor. Muito pelo contrário. Ele teve coragem de lançar um filme difícil. Longo para os padrões convencionais, que trabalha com uma belíssima história, mas complicada para um público comum que costuma não perceber citações, sutilezas, desconhece a trama, e (o que sabemos bem, é por muitas vezes a maioria do público ocasional) disponha-se a “entrar” na história, não se preocupando somente em comer e beber na sala de projeção. A coragem de Snyder é perceptível logo na primeira hora de filme… esta adaptação não possui paralelos no referente a outras feitas de quadrinhos para o cinema. E assim, pode estar fadado ao fracasso de bilheteria. Quando assistia à Watchmen, eu pude contar 10 pessoas saindo durante o filme, de uma sessão praticamente abarrotada. Só tinha visto algo semelhante em Sin City, que, nunca me esqueço, ao comprar minha entrada no guichê, a atendente falou (em um discurso que com certeza havia sido repetido a cada pessoa que estava indo lá): olha, o filme é em preto e branco com algumas partes coloridas mesmo, não está estragado, não. Blade Runner foi um fracasso em sua estréia. Em uma década, virou Cult, e a obra de Philip K. Dick popularizou-se. Não contenho de pensar se a adaptação de Watchmen estaria destinada a isto.
Temos uma boa escolha de elenco. Não digo excelente, pois o personagem Ozymandias nas telas ficou abaixo do que vemos nos quadrinhos, tendo um ator Matthew Goode que não passa segurança nem impõe presença, diferente das HQs. Dos demais, preciso salientar que Jackie Earle Haley surpreendeu como Rorschach. Se ele for indicado ao Oscar ou Golden Globe de ator coadjuvante por este papel, é muito provável que (com o precedente – mesmo que póstumo – de Heath Ledger) crie-se o folclore de que, para ganhar uma premiação interpretando um personagem de quadrinhos, este precise ser “louco”, desafiando e levando o seu interprete aos limites. Comediante foi outra grata surpresa… Se os uniformes de alguns ali fogem do design concebido por Gibbons, o espectador conhecedor do material original focaliza-se nos personagens e sua essência e eles se fazem presentes ali na tela, sendo o uniforme diferente apenas um detalhe que não atrapalha a experiência. Talvez, por ironia, não vejamos tanto do Rorschach que conhecemos porque no filme sua caracterização (no contexto psicológico, não de visual) em muitos momentos, parece um arquétipo maniqueísta de um detetive noir, quando quem leu Watchmen sabe que o personagem tem muito mais de sua humanidade pincelada não só no flashback de sua origem, mas também pelos comentários feitos pelos demais personagens, que mostram uma visão diversificada, e não rasa. Tais momentos da obra original, como tantos outros, foram omitidos por Snyder, acredito eu, pelos fatos que comentei no inicio do texto.
A narrativa não linear quando esta concentra-se em Dr. Manhattan em muito lembra a usada por Moore e Gibbons na obra original. Logicamente, em ritmo menos frenético, mas que dá, aos olhos atentos, a real noção de que Manhattan não vê o tempo e espaço como nós estamos acostumados a conhecer. Incomodou-me em muitos momentos o movimento labial do personagem, que não esta de acordo com a articulação de palavras ditas pelo ator Billy Crudup. Logicamente isto deve-se à criação do Dr.Manhatan para a tela envolver computação gráfica em cima da fisionomia do ator. Descuido da equipe de feitos especiais, que não chega a comprometer demais, mas destoa, perante a interação dos atores em cena.
Sem duvida temos aqui um filme que não pode ser comparado com outras adaptações de quadrinhos. Não é Homem-Aranha, não é Homem de Ferro, nem Hulk, Superman, nem mesmo Batman. Não são ícones conhecidos. Está além disso. Trata-se da desconstrução destes arquétipos. Regida por passagens magníficas, momentos geniais e ótimas falas. E se você percebe a genialidade da história, dos personagens, e do conceito de Watchmen, é porque isto faz parte de algo maior: os quadrinhos de Watchmen. As 10 pessoas que saíram do cinema durante o sessão (citadas antes), são um fato. Mas outro fato que tenho constatado ao conversar com outras que assistiram ao filme todo, e desconhecedoras de Watchmen, é que com certeza, baixarão da internet ou comprarão a versão impressa da obra. Tudo de magnifico que é visto na adaptação tem um destino e um fator desencadeador: Alan Moore. Pois sem dúvida, assim como Watchmen é um bom filme, e seu resultado foi o melhor possível dentro do perfil da industria do cinema, ele irá atrair mais leitores para esta obra fundamental da arte-sequencial mundial.
Mas, como fã, mesmo tendo me divertido (na medida do possível) com o filme, constato que nunca ví a necessidade de uma adaptação da obra para o cinema. Acredito que quem já leu jamais esqueceu. E jamais esquecerá. Se o filme tivesse ficado mais aquém do que ficou da sua versão gráfica, não me incomodaria. Pois o quadrinho continua lá, magnifico!
O filme vale a diversão. Mas levante o traseiro do acento do cinema e leia Watchmen. A verdade está nas prateleiras. Clique AQUI e compre a edição encadernada da mini-série Watchmen com DESCONTO no Submarino.
Daniel HDR
Coordenador e Instrutor do Curso Dinamo HQ