Acredito que o Homem Morcego foi o super-herói com mais encarnações no cinema, mas esta nova versão veio prometendo entregar coisas que muitos fãs queriam há tempos. Batman mantém a atmosfera dark de seus antecessores, em um filme de investigação com foco no morcegão e no impacto do mesmo na cidade de Gotham.
Atuando como Batman há dois anos, Bruce Wayne (Robert Pattinson) se tornou uma representação do medo para os criminosos e um aliado indesejado para a polícia. Durante a campanha eleitoral para a prefeitura de Gotham, ele se vê desafiado por um serial killer conhecido como Charada (Paul Dano), que começa a atacar figuras públicas e poderosas enquanto deixa mensagens direcionadas ao próprio Batman. Em meio a resolução dos casos, Bruce vai mergulhando nas entranhas da cidade e descobrindo como a podridão é mais profunda do que ele imaginava. No elenco estão Zoe Kravitz, John Turturro, Colin Farrell e Andy Serkis.
O impacto da trilogia de Batman feita por Christopher Nolan foi gigante, e a encarnação do personagem vivida por Ben Affleck surgiu como uma substituta que pudesse se encaixar dentro do universo estabelecido por Zack Snyder para a DC no cinema. Com o passar do tempo o universo de Snyder foi perdendo força, e até mesmo o longa solo do Morcego que seria dirigido e protagonizado por Affleck saiu dos planos, mas o longa do Coringa mostrou que nem todo filme precisa estar conectado a um universo principal para fazer sucesso, o que trouxe novas possibilidades para a Warner.
Surge Matt Reeves com uma nova abordagem, em uma obra com foco maior na investigação e extensas 2h55 para trabalhar isso sem demora. Por mais que possa parecer um exagero, o diretor consegue distribuir a trama muito bem, dedicando tempo na medida para que cada cena desenvolva o que precisa, tudo no seu ritmo. A atmosfera do filme é pesada, com uma violência presente mas disfarçada através dos ângulos ou desfoques (o que permite driblar a classificação indicativa). Os crimes seguem uma linha no estilo Seven, misturada com uma trama de máfia e corrupção urbana em uma metrópole que se sustenta na cabeça dos mais miseráveis. Gotham é grandiosa, opulenta, mas a sujeira e podridão estão sempre na tela para nos mostrar que por dentro é um fruto podre. Não é exagero dizer que a cidade é um personagem, já que boa parte do desenvolvimento da história está conectada às engrenagens que fazem o sistema dela funcionar.
Por ainda estar em início de carreira, vemos uma forma ainda bruta do super-herói, alguém que está descobrindo seu método de ação e que não controla muito bem suas emoções, partindo com fúria e de forma impetuosa para cima de seus adversários (o vermelho escolhido como identidade visual condiz com isto). A imagem estranha e durona que ele passa é tão marcante aos olhos dos outros que me remeteu muito ao Robocop clássico, uma figura temida e destoante dos demais. Esta analogia também remete aos movimentos lentos e pesados do Batman, reforçados pelo tilintar de sua armadura ressoando na escuridão. Este recurso do som e do peso também foi aplicado ao novo batmóvel que, mesmo não parecendo um tanque de guerra como os mais recentes, surge como uma extensão do Batman, uma criatura ameaçadora cuspindo fogo para todo lado. A cena de perseguição é voraz, mas senti falta de planos mais abertos que valorizassem o design do carro, sem falar que o excesso de planos fechados junto a chuva torrencial causou um pouco de confusão visual.
Houve uma relutância de muitos fãs ao anúncio de Pattinson como Batman, principalmente pela atuação do mesmo na saga Crepúsculo, mas há anos o ator vem se provando em novos papéis, provando ser capaz de ir além de um vampiro galã que brilha no Sol. O ator entrega a carga dramática exigida por um roteiro que tem o Batman como ponto central de tudo, diferente de filmes passados onde o herói muitas vezes se tornava coadjuvante da própria história. Por trás da postura de durão, os olhos do ator são o foco da emoção, e a câmera busca o tempo todo valorizá-los, o tipo de coisa que um filme acelerado não teria tempo de fazer. É possível ver o crescimento de Wayne, como ele vai aprendendo a cada erro e se tornando aos poucos a figura que deveria ser. A sua conexão com os coadjuvantes é bem estabelecida em sua maioria, principalmente na ação com Gordon, que quase vira um sidekick do Morcego, e na relação com a Mulher Gato, ao qual a química entre os dois passa a ideia de um sentimento terno de preocupação e ao mesmo tempo lascivo.
Outro ator que merece destaque é Colin Farrell, que dá vida a um Pinguim bonachão e bufão que rouba a cena quando aparece. A escolha do diretor foi ousada pois seria muito mais fácil pegar um ator com as feições do personagem do que jogar uma maquiagem para mudá-lo, mas o trabalho ficou tão bem feito e a atuação de Farrell entrega tanto que tudo pareceu um grande acerto. Paul Dano apresenta uma versão serial killer do Charada bem interessante, com motivações pertinentes e conectadas ao mundo atual. As linhas de diálogo entre ele e o Batman trazem passagens e observações muito legais sobre o Morcego que já até foram abordadas nas HQs, mas nunca antes no cinema, enriquecendo o enredo.
Em contrapartida, o Alfred vivido por Andy Serkis não me passou a conexão emocional que eu esperava entre o personagem e Bruce. Assim como a Tia May de Homem-Aranha vem ficando mais jovem a cada filme, o Alfred vai se tornando mais brucutu em cada encarnação. Eu entendo a função narrativa disto, tendo em vista que ele é um ex-agente do MI6 e que aqui o treinamento do Batman veio dele, mas acho que o próprio filme trabalha pouco o laço dos dois. Ainda que tenha uma cena de conexão entre os dois, acho que faltou mostrar mais intimidade na relação deles.
Mesmo usando de base conceitos de outros filmes para compor sua atmosfera, este novo Batman consegue renovar com sucesso a imagem do personagem, entregando algo de qualidade e visualmente empolgante. Agora é aguardar para ver se o vindouro Flashpoint não vai bagunçar tudo e tentar misturar estes universos separados em um só.
Obs.: O filme não tem uma cena pós créditos, só uma “piadoca”, a verdadeira cena pós créditos aparece no final do filme.