Sarjeta do Terror #46 – Irmãs dos Contos da Cripta

Nesta edição de Sarjeta do Terror, conheça um pouco sobre The Vault of Horror e The Haunt of Fear, as revistas “irmãs” de Contos da Cripta que completavam a tríade de terror da E.C. Comics nos anos 50.

Apesar do nome “Tales from The Crypt” ter se tornado mais popular entre o público geral (especialmente porque foi usado tanto para uma adaptação cinematográfica inglesa nos anos 70 quanto pela clássica série), as revistas de horror da E.C. Comics eram uma tríade formada também pelas revistas The Vault of Horror e The Haunt of Fear. Ambas tinham também seus apresentadores de horror, embora, na prática, todos eles transitariam entre revistas, não sendo exclusivos de sua própria publicação. Além disso, assim como “Tales…”, “The Vault…” e “The Haunt…” também surgiram de outras revistas, com um histórico complexo de numeração que confunde qualquer colecionador.

Por questões de permissões de envio pelos correios, “resetar” uma revista, ou seja, recomeçar sua numeração, geraria custos extras. Por isso, para economizar dinheiro, Al Feldstein, quando criou as três revistas, simplesmente alterou os nomes, mantendo a numeração da revista original e renumerando algumas delas apenas mais tarde – o que acaba causando certa confusão hoje em dia e causando certo desespero nos colecionadores com TOC.

 

The Vault of Horror

Assim como Tales From The Crypt, que herdou a numeração da revista Crime Patrol, The Vault of Horror foi antes a revista criminal War Against Crime (1948). Em seus últimos números Feldstein e William Gaines começaram a experimentar com o gênero de terror e decidiram por transformar a revista. The Vault of Horror começou com a edição de número 12 (1950), embora houvesse a intenção de resetar a revista mais adiante (o que acabou não acontecendo). O brainstorm para as histórias era o mesmo de “Tales…”: Feldstein e Gaines liam uma porção de histórias de terror e criavam plots “trampolins”, que eram o ponto de partida para suas histórias. Assim, os contos tinham inspiração em autores como H.P. Lovecraft, Oscar Wilde, Carl Theodor Dreyer e Ray Bradbury, entre outros.

Embora não fosse muito fácil distinguir as revistas umas das outras, havia certa identidade em cada uma delas. Enquanto Tales from the Crypt tinha Wally Wood como artista principal (especialmente nas capas), The Vault of Horror tinha Johnny Craig que, além das capas, era responsável pela história principal de praticamente todas as edições lançadas. Além de Craig, Feldstein e Gaines, as histórias também contavam com os roteiristas Carl Wessler e Jack Oleck, com desenhos de artistas como Reed Crandall, George Evans, Jack Kamen, Wally Wood, Graham Ingels, Harvey Kurtzman, Jack Davis, Sid Check, Al Williamson, Joe Orlando, Bernard Krigstein, Harry Harrison and Howard Larsen.

Cada revista de terror da E.C. possuía seu apresentador de horror, embora eles aparecessem frequentemente na revista um do outro demonstrando certa rivalidade criada para efeito cômico. Em The Vault of Horror, o apresentador principal era The Vault Keeper (o “Guardião do Jazigo”, em tradução livre). The Vault Keeper apareceu pela primeira vez em War Against Crime #10 e, quando a revista foi renomeada, seguiu sendo seu apresentador. O personagem não era muito diferente, ao menos visualmente, do Guardião da Cripta. Era um inquisidor ancestral que usava manto e capuz e contava suas histórias de dentro de uma masmorra vazia. Apesar de ter tido um início mais sombrio, logo o personagem adquiriu tons mais humorísticos, onde entregava comentários irreverentes e cheios de trocadilhos para aliviar o tom sério das histórias que introduzia.

Embora tenha sido criado originalmente por Feldstein, foi Johnny Craig o artista que ficou mais associado com o personagem, tendo desenhado todas as histórias principais (com exceção de duas) e também as aparições do apresentador de horror nas outras revistas.

Nas últimas 4 edições, o Guardião do Jazigo foi acompanhado de outra apresentadora de horror: Drusilla. Introduzida pelo Guardião do Jazigo na edição 37 de “Vault…”, Drusilla eram, na verdade uma bela mulher de cabelos negros, bastante semelhante à Vampira (considerada a primeira apresentadora de terror da televisão). Embora tenha aparecido ao lado do Guardião até a extinção da revista, Drusilla era mais uma personagem “decorativa”, uma vez que não tinha falas.

The The Vault of Horror teve o mesmo fim que suas revistas irmãs, por conta da perseguição aos quadrinhos criminais e de horror nos anos 50, seguido do advento do Comics Code Authority, A revista se encerrou no número 40, totalizando 29 edições.

 

The Haunt of Fear

A história de The Haunt of Fear começa com uma revista de humor da E.C. chamada Fat and Slat (1948). A revista durou apenas 4 edições mas, seguindo a estratégia de economizar dinheiro nos envios pelos correios (citadas anteriormente), a revista foi renomeada como Gunfighter (1948) e passou a contar com histórias de faroeste. Gunfighter durou mais do que Fat and Slat (9 edições) e se encerrou com o número 14. A partir do número 15 a revista foi mais uma vez renomeada, agora como The Haunt of Fear (1950), que completou a tríade de revistas de horror da E.C.

Assim como com Tales from the Crypt e The Vault of Horror, as histórias de The Haunt of Fear partiam dos plots “trampolins” de Feldstein e Gaines, inspirados pela shistórias de horror que liam. Assim, a revista contou com plots inspirados em autores como Bram Stocker, Edgar Alan Poe e Mark Twain, além de Ray Bradbury e H.P. Lovecraft. Os primeiros números de “Haunt…” foram 15, 16 e 17. Mas por exigência dos correios, a edição 18 teve que ser despachada como número 4. Ou seja, os três primeiros números de The Haunt of Fear são os números 15, 16 e 17, seguido das edições de número 4, 5, 6 e assim por diante.

Para dar a identidade e atmosfera do título, foi escolhido o artista Graham Ingels, que começou desenhando algumas histórias e, a partir do número 4, se tornou o desenhista principal da apresentadora de horror do título. A partir do número 11, se tornou o capista oficial da revista.

Além de Ingels, participaram de “Haunt…” diversos outros autores e desenhistas das outras revistas, entre eles Al Feldstein, Johnny Craig, Wally Wood, Harvey Kurtzman, Jack Davis, George Roussos, Harry Harrison, Joe Orlando, Sid Check, George Evans, Reed Crandall, Jack Kamen e Bernard Krigstein.

A apresentadora de terror de The Haunt of Fear era conhecida como “The Old Witch” (A Velha Bruxa). A personagem apareceu apenas na segunda edição de “Haunt…” (a primeira não teve nenhum apresentador), introduzindo a si mesma numa história desenhada por Jack Kamen. Não só a Velha Bruxa era, visualmente, a mais distinguível dos três “GhoulLunatics” (como era chamado o trio), mas também era a que mais aparecia em revistas. Além de estar presente em praticamente todas as edições de Tales from the Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear, a personagem também aparecia na história final de quase todas as edições da revista Crime Suspenstories (1950). The Haunt of Fear se encerrou, junto com suas irmãs, em decorrência do Comics Code Authority, totalizando 28 edições.

 

Em outras mídias

Quando adaptadas para outras mídias, as histórias de Tales from The Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear raramente eram distinguíveis umas das outras. A série de TV Contos da Cripta, da HBO, adaptou histórias vindas das três revistas. O mesmo aconteceu com o filme inglês “Tales From the Crypt”, produzido pela Amicus.

A Amicus também lançou uma sequência de seu filme antologia, intitulado “The Vault of Horror”. Curiosamente, nenhuma das histórias presentes foi adaptada da revista que inspirou o título do filme, e sim de Tales from the Crypt – com exceção de uma história, adaptada da revista Shock SuspenStories (1952).

O Guardião do Jazigo e a Velha Bruxa também acompanharam o Guardião da Cripta no desenho animado Tales from the Cryptkeeper, de 1993.

 

Curiosidades:

– Johnny Craig, artista de The Vault of Horror, também escrevia as histórias que desenhava, o que era bastante raro na E.C. A partir da edição 35, Craig se tornaria editor da revista;

– A revista de guerra Two-Fisted Tales “herdou” a antiga numeração de The Haunt of Fear, começando na edição 18, nunca tendo sido renumerada;

– Por conta da confusão de numeração com “Haunt…”, a revista acabou tendo duas edições com os números 15, 16 e 17;

– Uma das histórias da edição 17 que foi adaptada para o filme da Amicus, “Horror We? How’s Bayou?”, é considerada por muitos a história melhor ilustrada entre as de horror da E.C. O visual do maníaco homicida da história foi inspirado pelo filme mudo Dr. Jeckyll and Mr. Hyde (1920);

– A história mais controversa da E.C. foi “Foul Play”, de The Haunt of Fear #19 (1953). Escrita por Al Feldstein e desenhada por Jack Davis, mostrava um desonesto jogador de baseball sendo desmembrado e suas partes sendo usadas por seus assassinos para jogar baseball. Essa história foi um dos muitos exemplos usados por Fredric Wertham no seu livro “A Sedução do Inocente”;

– Os apresentadores das revistas de horror da E.C. apareciam frequentemente nas revistas um do outro, cada qual com seu respectivo “banner” de identificação. O Guardião da Cripta trazia histórias sob o banner “The Crypt of Terror”, enquanto que o Guardião do Jazigo tinha por banner “The Vault of Horror” e a Velha Bruxa “The Witch’s Cauldron”;

– O personagem da Velha Bruxa foi inspirada por “Old Nancy”, a bruxa de Salem que era apresentadora da série de rádio “The Witch’s Tale”, de Alonzo Deen Cole. A série foi ao ar entre 1931 e 1938.

 

Edições anteriores:

45 – Contos da Cripta, dentro e fora dos quadrinhos

44 – Criadores de Terror: Reed Crandall

43 – Skywald Publications e o clima de horror

42 – Vampirella

41 – O Homem Coisa

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #45 – Contos da Cripta, dentro e fora dos quadrinhos

Neste Sarjeta do Terror, conheça mais da história de Contos da Cripta, a clássica antologia da E.C. Comics que rendeu diversas adaptações para outras mídias.


Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os atos heroicos dos super-heróis deixaram de ser tão relevantes, fazendo com que a maior parte das HQs do gênero caíssem no esquecimento (o que causou o cancelamento de diversas séries, que só seriam retomadas uma década depois, com o advento da chamada Era de Prata dos Quadrinhos). No seu lugar, um espírito de cinismo e tensão (já caracterizando a Guerra Fria) se abateu sobre o povo americano, fazendo com que outro tipo de HQ se popularizasse, tornando-se um gênero à parte: as hqs de horror. É nesse contexto que surge a revista Tales from the Crypt (Contos da Cripta) que, junto com The Haunt of Fear e The Vault of Horror, formava a tríade de publicações bimestrais da EC Comics voltada para o terror.

As origens da revista Contos da Cripta (e de seu apavorante anfitrião, o Guardião da Cripta) remonta às hqs policiais publicadas pela EC Comics no fim dos anos 40, onde William Gaines (o grande nome da EC) e seu editor Al Feldstein começaram a experimentar o terror (gênero do qual gostavam muito) aos poucos nas histórias. Tais experimentações levaram à história “Return from the Grave”, na revista Crime Patrol, que era uma história de terror já nos moldes do que se veria mais adiante – e também apresentava pela primeira vez o Guardião da Cripta. Uma edição depois, Crime Patrol já contava com mais histórias de terror do que policiais, seu título foi alterado de Crime Patrol para “Tales from the Crypt of Horror”, mantendo seu formato original por mais 4 edições, até se tornar a revista de terror conhecida.

Apesar de ser oficialmente o anfitrião da revista, apresentando as histórias, o Guardião da Cripta também foi personagem em algumas delas, em aparições que revelavam alguns detalhes de sua biografia, como em Tales from the Crypt #33, cuja a história “The Lower Berth conta as circunstâncias do nascimento do personagem. Mas suas histórias também foram publicadas em The Vault of Horror #34, cuja história “While the Cat’s Away” nos leva a conhecer mais sobre a casa do Guardião da Cripta, e The Haunt of Fear #17, onde a história “Horror beneath the Streets” nos conta como ele e os outros anfitriões das revistas conseguiram seus “contratos” de publicação com a E.C.

O processo para criação das histórias era simples, mas eficiente: William Gaines lia um grande número de histórias de terror e as usava como modelo para contos das revistas. Entre as histórias que foram influência para os Contos da Cripta estavam “O intruso”, de H.P. Lovecraft (base para as histórias “Reflection of Death” e “Mirror, MIrror on the Wall”); Vampyr, de Carl Theodor Dreyer (base para a história “Shadow of Death”); O Caso do Sr. Valdemar, de Edgar Allan Poe (base para a história “The Living Death”); entre outros.

Contos da Cripta contou com diversos artistas, entre eles Al Feldstein, Johnny Craig, Wally Wood e Jack Davis, que faziam tanto capas quanto arte interna, além de George Evans, Jack Kamen, Graham Ingels, Harvey Kurtzman, Al Williamson, Joe Orlando, Reed Crandall, Bernard Krigstein, Will Elder, Fred Peters e Howard Larsen.

Tales From The Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear foram 3 revistas de muito sucesso durante os anos 50, mas que infelizmente não passaram das 30 edições (tendo sido publicadas até a edição 27, 29 e 28, respectivamente), tudo por conta da “caça às bruxas” liderada por Fredric Wertham, que levou à criação do Subcomitê do Senado Americano sobre Delinquência Juvenil, cujo principal alvo foram as histórias policiais e de terror da EC Comics – o que infelizmente acarretou no fechamento da editora com a instituição do Comics Code Authority, um “código de conduta” do que podia e não podia se fazer nos comics (mas que era apenas um outro sinônimo para “censura”) e que simplesmente invalidava todas as histórias da EC, já que esta se focava em títulos com temas adultos.

Assim, a EC Comics, e consequentemente a revista Contos da Cripta chegaram ao fim, lamentavelmente. Mas esta não seria a última vez que veríamos o Guardião da Cripta e suas histórias macabras.

 

Na TV

Em 1989, o canal a cabo HBO resgatou do limbo a série em quadrinhos, adaptando-a para uma série do canal, num formato de antologia semelhante à séries como Além da Imaginação e Contos da Escuridão, onde cada episódio era uma história independente com começo, meio e fim. Todas, é claro, introduzidas pelo Guardião da Cripta, marca registrada da antologia em todas as suas adaptações.

Muito dos episódios eram baseados ou adaptados de 5 títulos que a EC publicava nos anos 50 (Tales from the Crypt, The Vault of Horror, The Haunt of Fear, Crime SuspenStories e Shock SuspenStories). Com o tempo, a série passou a seguir seu próprio caminho com histórias originais. Contos da Cripta – a série durou até 1996 e teve 7 temporadas.

Além da série para o público adulto, Contos da Cripta também encontrou um nicho na TV para o público infantil quando, aproveitando-se do sucesso da série live action, a kaBOOM! Entertainment, junto com a divisão de TV da Warner Bros, produziu uma série animada chamada “Tales from the Cryptkeeper” (ou Contos do Guardião da Cripta). O desenho durou 3 temporadas, de 1993 a 1997.

Quando a série live action se encerrou, uma espécie de spin-off foi produzida para tomar o seu lugar. Com o título de “Perversions of Science”, a produção focava a ficção científica ao invés do terror, tendo como anfitriã Chrome, uma robô estilizada em formas femininas no lugar do Guardião da Cripta. Diferente de seu análogo de terror, Perversions of Science teve vida curta, durando apenas 10 episódios.

Em 2016 foi anunciada uma nova versão da série pelas mãos de M. Night Shyamalan (de O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Fragmentado), que seria veiculada no bloco de horror do canal TNT. Infelizmente, em 2017, foi anunciado que a série seria engavetada por conta de problemas com licenciamento.

 

No cinema

Bem antes da série de TV, mais precisamente em 1972, a produtora britânica Amicus trouxe uma adaptação cinematográfica baseada na série de quadrinhos da EC Comics. Na história, 5 estranhos que estão em um tour por catacumbas antigas acaba se separando do grupo e indo parar em um cômodo onde reside o apavorante Guardião da Cripta, que detalha como cada um deles vai morrer. Apesar de ser uma única história, o filme contém outros 5 contos baseados (direta ou indiretamente) nas revistas clássicas da EC.

Com o sucesso da série de TV e seu subsequente encerramento, seguiu-se a tentativa de levar os Contos da Cripta para os cinemas americanos. A primeira delas, em 1995, foi o relativamente bem-sucedido (já que superou seus custos de produção) Demon Knight (Os Demônios da Noite no Brasil – reparem que traduziram “Knight” – cavaleiro – como “Night” – “Noite”).

Na história, um ser demoníaco persegue Brayker, um homem misterioso que tem nas mãos um antigo amuleto capaz de impedir que forças maléficas destruam a humanidade. Em sua fuga desesperada, Brayker se esconde em um hotel vagabundo de beira de estrada. O ser maligno chega até lá e, para enfrentar Brayker e os hóspedes do lugar, conjura um horripilante bando de mortos-vivos sedentos de sangue.

Após o sucesso de Os Demônios da Noite, uma nova produção cinematográfica derivada da série foi lançada em 1996: Bordello of Blood (Bordel de Sangue, no Brasil). Diferente da película anterior, Bordel de Sangue leva a narrativa mais para o lado do humor (mesmo não esquecendo o terror, que é a base dos Contos da Cripta).

Em Bordel de Sangue, vemos a assessora de um reverendo que luta pela moralidade contratando um detetive para encontrar seu irmão desaparecido. As investigações o levam a um bordel repleto de vampiras lindas, sedutoras e sedentas de sangue.

Além de Os Demônios da Noite e Bordel de Sangue, também foi lançado, em 2002, Ritual, que conta a história da Dra. Alice Dogson, que tem sua licença revogada e é demitida após a morte de um paciente. Depois de temer palavras de um paciente sobre cultos vodus, viaja para a Jamaica, onde percebe que ela e seu paciente Wesley Clayrbone são alvo de um culto vodu. O filme é o menos conhecido dos 3 e, até agora, o último da cinessérie cinematográfica.

Contos da Cripta é indispensável para qualquer entusiasta do gênero de terror, seja nos quadrinhos, na TV ou no cinema. Um clássico cult que nunca vai ser esquecido.

 

Curiosidades:

– Não era apenas Contos da Cripta que tinha seu anfitrião macabro: The Vault of Horror contava com o Guardião do Jazigo (The Vault Keeper) e The Haunt of Fear contava com a Velha Bruxa (The Old Witch). Essa divisão não era rígida e esses anfitriões frequentemente apareciam nas outras revistas também;
– Para vocês terem uma ideia do sucesso que as histórias de terror faziam na época, a EC lançou, em 1954, a Three Dimensional Tales from The Crypt of Horror, uma antologia trimestral que reciclava histórias já publicadas na revista principal, com a diferença de serem impressas em 3D anaglifico (aqueles que você precisa de um óculos de papel com lentes de papel celofane azul e vermelho – e isso nos ANOS 50, para você que pensa que 3D é uma moda recente). Cada edição vinha com um óculos 3D. A publicação vendia muito e é considerada um clássico, embora não tenha durado muito por uma série de fatores (não só a questão do Comics Code mencionada na matéria, mas principalmente fatores técnicos, como o custo da impressão, entre outros);
– Após publicar uma adaptação não autorizada de Ray Bradbury, o autor contatou a E.C e chegou a um acordo para publicar adaptações autorizadas de seus contos, que incluem “There Was and Old Woman”, publicada na edição 34 de Contos da Cripta; e “The Handler’, publicada na edição 36;
– Em 2007, uma editora independente chamada Papercutz decidiu ressuscitar o título mostrando novas histórias. A primeira edição contou com capa de Kyle Baker e trazia os 3 anfitriões mais famosos da EC (O Guardião da Cripta, o Guardião do Jazido e a Velha Bruxa). Foram publicadas 13 edições até 2010;
– O Guardião da Cripta visto na série de TV difere visualmente do seu correlato nos quadrinhos. Enquanto o Guardião das HQs da EC Comics era um ser humano, o anfitrião da produção televisiva era um morto vivo decrépito. O filme britânico, no entanto, se manteve fiel ao visual original das hqs;
– Diversos atores e celebridades conhecidas atuaram na série, seja como protagonistas ou apenas ocmo participações especiais, entre eles Dan Aykroyd, Hank Azaria, Steve Buscemi, Daniel Craig, Tim Curry, Timothy Dalton, Roger Daltrey, Benicio del Toro, Kirk Douglas e seu filho Eric Douglas, Brad Dourif, Whoopi Goldberg, Bobcat Goldthwait, Teri Hatcher, Marg Helgenberger, Mariel Hemingway, Lance Henriksen, Bob Hoskins, Margot Kidder, John Lithgow, Andrew McCarthy, Dylan McDermott, Malcolm McDowell, Costas Mandylor, Ewan McGregor, Meat Loaf, Demi Moore, Donald O’Connor, Joe Pantoliano, Bill Paxton, Bruce Payne, Joe Pesci, Brad Pitt, Iggy Pop, Christopher Reeve, Natasha Richardson, Mimi Rogers, Tim Roth, Martin Sheen, Brooke Shields, Slash, John Stamos, Jeffrey Tambor, Lea Thompson, David Warner, Steven Weber, Adam West e Treat Williams, apenas para citar alguns;
– Entre diretores famosos da série estão Michael J. Fox, Tom Hanks, Kyle MacLachlan e Arnold Schwarzenegger, além de diretores renomados como Robert Zemeckis (Forest Gump), Richard Donner (Superman o Filme), John Frankenheimer (A Ilha do Dr. Moreau, de 1996), William Friedkin (O Exorcista), Walter Hill (do clássico musical Crossroads), Tom Holland (A Hora do Espanto), Tobe Hooper (Poltergeist), Mary Lambert (Cemitério Maldito), Peter Medak (A Troca) e Russell Mulcahy (Resident Evil 3: A Extinção);
– A abertura da uma das temporadas da série animada Tales from the Cryptkeeper contava com a aparição do Guardião do Jazigo e da Velha Bruxa, anfitriões das antologias da EC The Vault of Horror e The Haunt of Fear, respectivamente;
– All Through the House, Blind Alleys, e Wish You Were Here, 3 dos 5 contos dentro de Contos da Cripta – O Filme foram mais tarde adaptados de alguma forma em episódios da série de TV americana;
– Os rascunhos originais da cinessérie de Contos da Cripta contavam com uma trilogia, que se iniciaria com Os Demônios da Noite e seguiriam com Dead Easy (um filme de zumbis) e Body Count, uma história original. O artefato do primeiro filme apareceria nas duas sequências, o que não aconteceu com todos os filmes que de fato foram lançados;
– Embora não seja uma sequência direta de Os Demônios da Noite, Bordel de Sangue traz uma aparição do artefato que é a base do filme anterior;
– Ritual é uma releitura do filme I Walked with a Zombie (1943), considerado a primeira produção cinematográfica sobre zumbis;
– Ritual nunca foi lançado nos EUA, tendo sido distribuído apenas internacionalmente;
Os Espíritos, filme dirigido por Peter Jackson, era para ser um filme dentro da cinessérie de Contos da Cripta, mas foi lançado como algo independente quando Robert Zemeckis leu o roteiro e achou que ele merecia ser “autônomo”.

Edições anteriores:

44 – Criadores de Terror: Reed Crandall

43 – Skywald Publications e o clima de horror

42 – Vampirella

41 – O Homem Coisa

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #44 – Criadores de Terror: Reed Crandall

Nesta edição, conheça um pouco sobre Reed Crandall, que fez história nos quadrinhos por seu estilo mais realista, em comparação com o estilo mais cartunesco que era o paradigma de sua época.

Muitos foram os artistas que fizeram história nos quadrinhos de terror. Infelizmente, nem todos são tão conhecidos hoje em dia quanto Frank Frazetta, Steve Ditko, Esteban Maroto ,para citar alguns. Por essa razão, decidi que essa nova edição seria sobre um desses grandes artistas hoje esquecidos: Reed Crandall.

Reed Crandall nasceu na cidade de Winslow, Indiana, em 1917. Através de uma bolsa de estudos, conseguiu estudar na Cleveland School of Art, em Ohio e começou a trabalhar com ilustrações através de parcerias com colegas de estudos, pintando vitrines e desenhando mapas e material de apoio para as publicações da Newspaper Enterprise Association. Suas principais influências eram N.C. Wyeth, Howard Pyle e James Montgomery Flagg, ilustradores clássicos nos EUA conhecidos pela versatilidade e principalmente pelo realismo nos seus desenhos.

A intenção de Crandall era se tornar ilustrador de revistas em tempo integral, o que acabou não dando certo, mas o levou a ilustrar livros infantis. Se mudou para Nova York em 1939 para trabalhar numa editora de livros infantis, mas acabou fazendo apenas uma capa para a empresa, sendo logo contratado pelo estúdio Eisner e Iger, que já trabalhava com artistas respeitados como Lou Fine, Paul Gustavson, Alex Kotsky, Fred Gardineer e, é claro, Will Eisner, um dos fundadores do estúdio. Foi a partir desse período que Reed Crandall passou a trabalhar diretamente com quadrinhos.

 

Primeiros trabalhos

Seus primeiros trabalhos foram para a Quality Comics onde inicialmente atuou como artefinalista para as capas de Lou Fines na revista Military Comics. Mas logo o editor Everett M. Arnold percebeu a qualidade do trabalho de Crandall e o colocou para desenhar. A primeira hq que ilustrou foi Hit Comics #10 e, apartir daí, rapidamente passou a ser reconhecido por seu realismo e detalhismo anatômico. Na Quality Comics, desenhou principalmente super-heróis como The Ray e Doll Man.

Neste período, também trabalhou em capas para a editora Fiction House e ainda criou, junto com Jerry Iger, o personagem Firebrand para a revista Police Comics (que também publicara Plastic Man e Spirit), além de ter sido desenhista do personagem Captain Triumph. As ilustrações de Crandall chamaram atenção por apresentarem um estilo mais realista que o tradicional estilo cartunizado, mais comum na época. Sua contribuição mais lembrada neste período foi seu trabalho para a revista Military comics, onde desenhou por mais de 10 anos as histórias do grupo de aviadores Blackhawks (com um hiato quando precisou servir o exército).

Além da Quality, Reed Crandall também trabalhou para a Atlas Comics (precursora da Marvel), fazendo a arte-final para Jack Kirby em algumas histórias do Capitão América e atuando como ilustrador freelancer para diversos outros títulos.

Nos anos 50, já profissionalmente estabelecido na indústria, Crandall desenhou para a E.C Comics, especialmente para as antologias de horror e sci-fi da editora. Sua primeira história para a E.C foi “Bloody Sure”, publicada em Haunt of Fear #20, de 1953. Reed Crandall trabalhou também em Tales From the Crypt, Two-Fisted Tales, Vault of Horror, Crime SuspenStories e Weird Fantasy, entre outros, até o fim da editora em função do Comics Code Authority.

Com o fim tanto da Quality quanto da E.C., Crandall teve que buscar trabalho em outras editoras, mantendo seu trabalho ocasional na Atlas e agora também no novo selo da época, Marvel. Nos anos 60, o artista chegou a assinar um contrato com o Catholic Guild, que publicava Treasure Chest, uma hq bissemanal distribuída exclusivamente nas escolas paroquiais. Desenhou para a Treasure Chest até o início dos anos 70, principalmente histórias sci-fi protagonizadas pela “Polícia Interplanetária”.

 

Warren Publishing e além

Ainda nos anos 60, Reed Crandall ilustrou diversas antologias da Gold Key, como Believe It or Not, Boris Karloff, Tales of Mystery e The Twilight Zone. Mas foi a partir de 1964 que Crandall encontrou sua nova casa, a Warren Publishing.

Reed Crandall trabalhou para a Warren até o início dos anos 70, tendo ilustrados diversas histórias para as antologias de horror Creepy e Eerie, além da antologia de Guerra Blazing Combat.

Neste período, Crandall chegou a produzir etiquetas e capas de livros para a Canaveral Press, que possuía títulos de personagens como Tarzan e John Carter. A editora também contava com Frank Frazetta em sua linha de ilustradores, mas infelizmente encerrou as atividades antes que muitas das ilustrações de Crandall pudessem ser utilizadas.

Ainda nos anos 60, Crandall também trabalharia para títulos de espionagem da Thunder Comics, em especial para T.H.U.N.D.E.R. Agents e Dynamo, onde trabalhou junto com o ícone dos comics Wally Wood. Em 1967, passou a ilustrar as aventuras de Flash Gordon para o King Features Syndicate.

 

Últimos anos

Infelizmente, a vida pessoal do artista foi problemática em seus últimos anos. Quando sua mãe ficou terrivelmente doente, teve que voltar para seu estado natal para cuidar dela, ficando relativamente isolado do mercado, o que acabou levando-o para o alcoolismo. Crandall conseguiu se livrar do vício antes da morte de sua mãe, mas não sem ter como sequelas uma saúde debilitada e prejuízos no seu ritmo de produção. Sua última história publicada foi “This Graveyard is Not Deserted”, de Creepy #54, publicada em 1973.

Em 1974, Reed Crandall se aposenta dos quadrinhos e passa a trabalhar como vigia e zelador em um restaurante da rede Pizza Hut. No mesmo ano, o artista sofre um derrame e passa a viver em uma casa de repouso, onde permaneceu até seus últimos dias. Reed Crandall faleceu em 1982, vítima de um ataque cardíaco.

Com um estilo mais realista e anatomicamente detalhado, Reed Crandall se desviou da tradição do desenho de quadrinhos, cujo estilo mais cartunesco era o paradigma vigente, e definiu um estilo que até hoje merece ser lembrado e reverenciado.

 

Curiosidades:
– Na Quality, Reed Crandall desenhou as aventuras do herói The Ray sob o pseudônimo de E. Lectron;
– Uma das ilustrações de Crandall feita para a história “The Corpse That Came to Dinner”, publicada na revista Out of the Shadows #9, foi mencionada no livro “The Seduction of the Innocent”, considerado o ponto de partida para a perseguição aos quadrinhos que levou à adoção do Comics Code;
– Boa parte do trabalho que Reed Crandall fez para a Canaveral Press só ganhou a luz do dia graças à Russ Cochran, que utilizou ilustrações do autor para a coleção Edgar Rice Burroughs Library of Illustration Vol. 3 (1976) e Richard Lupoff, que organizou a coleção Edgar Rice Burroughs: Master of Adventure (1964);
– Reed Crandall é citado em The Amazing Adventures of Kavalier & Clay, onde o personagem fictício Joe Kavalier se refere ao artista como “o maior artista de quadrinhos da sua era”;
– Em 2009, Reed Crandall foi incluído no The Will Eisner Award Hall of Fame.

 

Edições anteriores:

43 – Skywald Publications e o clima de horror

42 – Vampirella

41 – O Homem Coisa

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

Nem só de Guardião da Cripta e Tio Creepy vivem o horror hosts dos quadrinhos. Conheça os anfitriões que apresentavam histórias hororizantes nas hqs

Apresentadores não são novidade na TV. De fato, este conceito é provavelmente tão antigo quanto a própria TV. Mas existiu um tipo muito particular de apresentador de TV que capturou a imaginação de milhões de norteamericanos, especialmente entre os anos 50-80: os Horror Hosts (apresentadores/anfitriões de terror, em tradução livre). Frequentemente encarnando personagens sombrios, sobrenaturais e/ou misteriosos, os horror hosts tinham como tarefa apresentar filmes de baixo orçamento e filmes de horror e sci-fi de diversos tipos. Os mais conhecidos do público em geral foram Vampira (a primeira horror host da TV), Elvira (mais sobre ela aqui) e a versão televisiva do Guardião da Cripta (Contos da Cripta)

O que muita gente talvez não saiba, no entanto, é que a ideia dos horror hosts começou anos antes nas histórias em quadrinhos, através das hqs de antologia que continham seu próprio apresentador macabro. A E.C Comics e, posteriormente, a Warren Publishing, foram duas das editoras cujos horror hosts são bastante conhecidos dos fãs de quadrinhos, mas essa tendência se espalhou por muitas outras editoras entre os anos 50 e 80, criando uma tradição nos quadrinhos de horror de antologia. Vamos conhecer os horror hosts dos quadrinhos.

 

E.C Comics

Os primeiros horror hosts surgiram no início dos anos 50 e estão entre os mais conhecidos dos leitores de quadrinhos. Quando os quadrinhos de horror emergiram como uma alternativa popular após a Segunda Guerra, a recém-formada E.C. Comics aproveitou o amor do fundador e do editor pelo gênero para investir numa tríade de hqs que se tornariam referência a partir daí: The Vault of Horror, The Haunt of Fear e Tales From the Crypt (1950).

The Crypt Keeper, The Old Witch, The Vault Keeper e Drusilla

Na teoria, cada revista tinha associada a si um horror host: The Vault of Horror tinha o Vault Keeper, Tales From the Crypt tinha o Crypt Keeper e The Haunt of Fear tinha The Old Witch. Na prática, no entanto, os três apresentadores eram vistos contando histórias nas 3 revistas, tornando difícil dissociar uma hq da outra. Além dos 3 apresentadores clássicos, The Vault of Horror teve suas 4 últimas edições apresentadas pelo Vault Keeper em conjunto com uma outra personagem, uma silenciosa mulher chamada Drusilla (visualmente muito semelhante à Vampira, horror host televisiva da época)

Mais sobre a história da E.C. Comics aqui, aqui, aqui e aqui.

 

Uncle Creepy, Cousin Eerie e Vampirella

Warren Publishing

A editora que trouxe o horror de volta nos anos 60 ao se aproveitar de uma brecha legal no Comics Code Authority (saiba mais aqui e aqui) trouxe as revistas de antologia e também a tradição dos horror hosts de volta. Não por acaso, a Warren trouxe diversos dos artistas e autores que trabalharam na extinta E.C. para produzir as antologias da editora.

Uncle Creepy era o apresentador da revista Creepy (1964), enquanto que o Cousin Eerie era sua contraparte na revista irmã Eerie (1966). Vampirella (1969), que completou a tríade da Warren, começou como horror host, mas com o tempo sua revista passou a contar apenas com histórias solo da personagem, tornando-a provavelmente o personagem mais popular criada pela Warrem.

Recentemente, tanto Creepy quanto Eerie têm tido suas histórias republicadas e Vampirella, apesar dos percalços editoriais ao longo das décadas, segue firme e forte, agora nas mãos da Dynamite Entertainment, em histórias próprias.

Mais sobre a história da Warren Publishing aqui.

 

Cain, Abel, Eva (quadro) e Elvira

DC Comics

A DC iniciou seu caminho nas hqs de horror ainda nos anos 50, com suas revistas House of Mystery (1951) e House of Secrets (1956). No entanto, estas revistas passaram a ter horror hosts apenas nos anos 60 (mais especificamente em 1968), quando o Comics Code Authority começou a ser desafiado pelas grandes editoras e a flexibilização de algumas das regras permitiria à DC trazer de volta um pouco do tom de horror às suas revistas (que haviam sido reimaginadas como histórias de super-herói). A partir daí, a relação da DC com horror hosts expandiu significativamente.

Cain e Abel eram os apresentadores/moradores de House of Mystery e House of Secrets, respectivamente, mas também apresentaram uma revista satírica de humor/horror da DC chamada Plop! (1973), junto com a personagem Eva, que também era a horror host de outra revista, Secrets of Sinister House (1972). Os 3 personagens eram, basicamente, suas contrapartes das histórias bíblicas e fizeram parte do universo DC em diversos momentos. Elvira, horror host da televisão, passou pela Casa dos Mistérios num lançamento de 12 edições chamado Elvira’s House of Mystery (1986), onde ficou de apresentadora no lugar de um desaparecido Cain. (mais sobre as passagens de Elvira pelos quadrinhos aqui).

The Mad Mod Witch e As Três Bruxas (Mildred, Mordred e Cynthia)

Eva foi, mais tarde, “transferida” para a revista Weird Mystery Tales (1972), enquanto que Secrets of Sinister House passou a ser apresentada pelo personagem Destino – mais tarde resgatado por Neil Gaiman para sua série Sandman – quando esta passou a se chamar Secrets of Haunted House (1975). A revista também era apresentada ocasionalmente por Cain, Abel e Eva, mas Destino era o único host fixo.

Alem dos anfitriões mais conhecidos, a DC Comics teve também The Mad Mod Witch, que foi a primeira apresentadora da revista Unexpected (1968). Diferente dos outros horror hosts, no entanto, The Mad Mod Witch não dominava a revista em que aparecia. The Unexpected também teve como apresentadores Abel, de House of Secrets, e The Three Witches, as bruxas Mildred, Mordred e Cynthia que, juntas, eram a personificação da vingança. Logo as 3 Bruxas passaram a apresentar também a revista The Witching Hour (1969) -mais tarde, as duas hqs  seriam fundidas em uma só publicação.

Uma revista irmã de Secrets of Sinister House, chamada Forbidden Tales of Dark Mansion (1971), passou a ser apresentada por uma personagem chamada Charity a partir da edição #7. Charity era uma cartomante que contava suas histórias para quem parasse na tal da “Mansão sombria”, mas que depois foi incorporada ao Universo DC por James Robinson, residindo em Opal City (cidade natal de Starman), onde abriu uma loja chamada Fortunes & Forbidden Tales.

Charity, Squire Shade, Destino e Morte

Outros horror hosts da DC incluíram Squire Shade, um fantasma que trajava uma roupa clássica na cor branca e monóculo, que assumiu a revista Ghosts (1971) a partir da edição 104; Morte, que apresentava a revista Weird War Tales (1971); e Lucien, o guardião da biblioteca de um castelo abandonado na Transilvânia que vivia com Rover, seu companheiro Lobisomem – apresentadores da revista Tales of Ghost Castle (1975). Morte e Lucien foram outros dois personagens aproveitados por Neil Gaiman em Sandman, embora o visual da Morte tenha sido completamente reimaginado para a série.

Mais sobre o terror na DC Comics aqui e aqui.

 

Mr. L. Dedd, Dr. M. T. Graves, Old Witch e Mr. Bones

Charlton Comics
Nem só de super-heróis como Besouro Azul e Capitão Átomo vivia a Charlton, que possuía também um bom número de publicações de terror, algumas delas com seus próprios horror hosts. Mr. L. Dedd (mais tarde renomeado I. M. Dedd) foi um homem de meia idade de chifres que se vestia como um vampiro e contava histórias de sua casa assombrada na revista Ghostly Tales (1966). Já o Dr. M. T. Graves, depois de ser introduzido em Ghostly Tales #55, passou a apresentar suas próprias histórias em The Many Ghosts of Doctor Graves (1967). Diferente da maioria dos apresentadores, Dr. Graves às vezes era participante das histórias que contava.

Outra revista irmã de Ghostly Tales era Ghost Manor, que teve dois volumes: o primeiro, de 1968, era apresentado pela “Velha Bruxa” (que não era a mesma de Haunt of Fear da E.C.); e o segundo, a partir de 1971, apresentado por Mr. Bones, um mordomo que era um esqueleto reanimado com uma máscara sinistra. Entre um volume e outro, Ghost Manor deu lugar a Ghostly Haunts (1971), que era apresentada por Winnie the Witch, uma bruxa de pele azul.

Impy, Barão Weirwulf, Professor Coffin, Arachne e R.H. Von Bludd

Completam a lista da Charlton as revistas Haunted (1971), que teve como apresentadores o fantasma diminuto Impy e mais tarde Barão Weirwulf; Midnight Tales (1972), que tinha dois apresentadores: Professor Coffin, também conhecido como The Midnight Philosopher, e sua sobrinha Arachne; e Scary Tales (1975), apresentado pela sedutora vampira de roupas justas Condessa R.H. Von Bludd. A maior parte dessas revistas era publicada bimestralmente e algumas delas duraram até o fim da Charlton, em meados dos anos 80.

 

Outras editoras

Apesar de ter uma grande tradição no terror, a Marvel Comics teve apenas um horror host digno de nota: Digger, uma assassino de pele verde (às vezes azul) que contava histórias para suas vítimas enquanto as enterrava em duas revistas, Tower of Shadows e Chamber of Darkness, de 1969. Ambas as revistas foram reformuladas em 1971, sem seu apresentador (“Tower…” se tornou Creatures on the Loose e “Chamber…” virou Monsters on the Prowl).

Mais sobre terror na Marvel Comics aqui.

Digger (marvel) e Dr. Spektor (Gold Key).

Outra editora que teve horror hosts foi a Gold Key, que além de publicar uma hq baseada em Além da Imaginação – que tinha como apresentador Rod Serling, também apresentador da série (mais sobre aqui) – também publicava Dr. Spektor Presents Spine-Tingling Tales (1975), apresentada pelo Doutor Spektro do título, um “detetive do oculto” que antes havia sido protagonista nas revistas Mystery Comics Digest (1972) e The Occult Files of Doctor Spektor (1973).

Os anos 80 viram os últimos resquícios dos apresentadores de terror. Diversos deles (especialmente na DC Comics) retornariam mais tarde como personagens, seja em suas próprias histórias ou como coadjuvantes de outros títulos. Mas a tradição de produzir antologias apresentadas por personagens sinistros acabou sendo deixada de lado, infelizmente.

Horror hosts dominaram os quadrinhos de horror americanos por um bom tempo e causaram impacto entre os fãs de inúmeras gerações. Uma tradição que, ainda que tenha se dissipado com o tempo, nunca vai deixar de fazer parte dos pesadelos e das histórias macabras dos entusiastas do gênero.

Curiosidades:
– O Guardião da Cripta (The Crypt Keeper) foi um dos apresentadores das revistas da EC que pularam das hqs para outras mídias em duas ocasiões: primeiro, na adaptação britânica de Contos da Cripta, um filme que continha 4 histórias apresentadas pelo personagem, e na famosa série de TV Contos da Cripta. Apesar do Guardião da Cripta da série ser o mais lembrado, ele nada tinha a ver com o apresentador dos quadrinhos. A versão do filme britânico é mais fiel ao visual e características da hq original;
– Apesar do título, a série Contos da Cripta não adaptava apenas histórias de sua HQ homônima. Vários episódios foram adaptados também de Vault of Horror e Haunt of Fear;
– Nos anos 90, a versão televisiva do Guardião da Cripta foi o apresentador de uma animação chamada Tales from the Cryptkeeper, uma versão infantil dos Contos da Cripta que tinha histórias originais (sem ser baseado na série ou nas hqs);

– Cain e Abel foram personagens relevantes no arco Gótico Americano do Monstro do Pântano, escrito por Alan Moore. Eva foi resgatada nas histórias do Sandman escritas por Neil Gaiman;
– Além da sua passagem por House of Mistery, Elvira também teve sua própria revista regular nos anos 90 pela editora Claypool, onde era a personagem principal ao invés de apenas a apresentadora das histórias;
– A capa da edição 54 de The Many Ghosts of Doctor Graves foi um dos primeiros trabalhos de John Byrne para a indústria.

Edições anteriores:

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

EC Comics #12 – Epílogo: O discurso contra a censura

Na última parte da série sobre a EC Comics, confira uma tradução do discurso solitário de William Gaines, que foi um último suspiro antes da instituição do Comics Code.

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Foram diversas as batalhas que Willian Gaines, da EC Comics, teve que travar com o Comics Code Authority para manter suas publicações livres de censura, e diversas as vezes que ele teve que encarar perguntas constrangedoras de pessoas que não estavam preocupadas em cuidar da segurança nacional, e sim apontar o dedo e colocar alguém como culpado pelos problemas da América na época (não que os problemas tenham mudado, apenas os “culpados” passaram hoje a ser agora os filmes e os games).

Quando foi criado o Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado, presidido pelo Senador Estes Kefauver (que nada mais era do que um oportunista em busca de autopromoção – anos antes ele havia alcançado notoriedade por ter presidido a audiência com o mafioso Frank Costelo, que fora transmitida pela televisão), a audiência foi marcada na mesma corte que anos antes havia dado fama ao Senador, que intimou várias testemunhas a depor sobre o assunto, todas contra os quadrinhos (incluindo aí Fredric Wertham). A favor dos quadrinhos o único que se propôs a depor foi Willian Gaines, que estava sozinho contra uma horda de gigantes. Obviamente, Gaines foi massacrado pelos seus inimigos.

Antes de prestar depoimento, William Gaines leu diante do Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado um discurso em defesa da sua editora. Confira a tradução:

“Meu nome é William Gaines. Sou graduado pela School of Education of New York University. Tenho qualificação para dar aulas na escola secundária.
Então, o que estou fazendo diante desse comitê?
Eu publico histórias em quadrinhos. Meu grupo é conhecido como EC – Entertaining Comics. Vim voluntariamente como testemunha. Pedi e vocês me deram essa chance de ser ouvido.
Duas décadas atrás, meu falecido pai foi o instrumento que iniciou a indústria dos quadrinhos. Foi ele quem editou as edições iniciais da primeira revista em quadrinhos, a Famous Funnies.
Meu pai estava orgulhoso da indústria que ajudou a criar. Ele levou diversão a milhões de pessoas. A herança que deixou, a vasta indústria das histórias em quadrinhos, emprega milhares de escritores, artistas, estampadores e impressores. Ela levou milhares de crianças ao costume da leitura. Ela sacudiu a sua imaginação, criou uma válvula de escape para seus problemas e frustrações… Mas o mais importante: deu a elas horas e horas de diversão.
Meu pai, que comandava a editora antes de mim, estava orgulhoso daquilo que publicava. Ele via os quadrinhos como um instrumento potencial para a educação visual. Ele foi um pioneiro, algumas vezes à frente do seu tempo.
Ele publicou títulos como Picture Stories from Science, Picture Stories from World History e Picture Stories from American History. E também Picture Stories from the Bible.
Desde 1942 vendemos mais de cinco milhões de cópias da Picture Stories from the Bible. Essa revista é largamente usada em igrejas e escolas para tornar a religião mais interessante, vívida e real. Picture Stories from Bible está sendo agora publicada pelo mundo, em dezenas de línguas. E trata-se de, nada mais, nada menos, que uma revista em quadrinhos.
Além da Picture Stories from the Bible, eu publico muitas outras revistas.
Por exemplo, publico histórias de terror. Fui o primeiro nos Estados Unidos a publicá-las. Eu sou o responsável! Eu as iniciei!
Alguns podem não gostar delas. É uma questão de gosto pessoal. Mas é difícil explicar a inofensiva emoção que uma história de terror causa numa pessoa como o Dr. Wertham, assim como seria difícil explicar a sublimidade do amor a uma frígida solteirona.
Meu pai estava orgulhoso das revistas que publicava e eu estou orgulhoso das que publico agora. Nós temos os melhores escritores e artistas. Nós nos esmeramos para que cada revista, cada história, cada página seja uma obra de arte.
Como resultado, temos os maiores índices de vendagem.
Uma revista em quadrinhos é um dos poucos prazeres que uma pessoa ainda pode comprar com uma moeda de dez centavos.
Nós vendemos prazer. Diversão. Recreação escrita.
As crianças americanas são, em sua maioria, normais. São crianças inteligentes. Mas aqueles que querem proibir as histórias em quadrinhos parecem ver nossas crianças como sujas, pervertidas e depravadas, pequenos monstros que usam os quadrinhos como modelo de suas ações.
O que tememos? Temos medo de nossas próprias crianças? Será que estamos nos esquecendo que elas também são cidadãos e, por isso, são livres para ler e julgar o que quiserem?
Ou achamos nossas crianças tão distorcidas e com a mente tão pequena a ponto de uma história sobre assassinato as levar a cometer assassinato… ou uma sobre roubo as levar a cometer roubo?
Jimmy Walker (ex-prefeito de Nova York) disse uma vez que nunca viu uma garota estragar sua vida por causa de um livro.
Assim, também ninguém vai destruir sua vida por causa de uma revista em quadrinhos. Já foi visto em testemunhos anteriores que nenhuma criança saudável e normal se tornou uma pessoa pior só por ter lido uma revista em quadrinhos…
Acredito que nada que já foi escrito até hoje pode fazer uma criança se tornar agressiva, hostil ou delinquente. As raízes dessas características são muito mais profundas.
A grande verdade é que a delinquência é produto do ambiente em que a criança vive; e não da ficção que ela lê.”

As origens e a história do Comics Code Authority em particular será tema de uma matéria em duas partes no futuro próximo, mas você pode conferir os outros textos sobre a história da EC Comics aqui, aqui e aqui. O discurso de Gaines e outros áudios das audiências do Subcomitê estão disponíveis na internet (em inglês, claro). Ouça-os aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #10 – EC Comics parte 3: O fim

Na terceira parte sobre E.C Comics, uma metodologia duvidosa aliada ao oportunismo político cria um código de ética que muda para sempre os comics, sepultando de vez a editora.

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Ainda no início dos anos 40, a indústria de quadrinhos estava sendo bastante criticada pelo seu conteúdo e seus potenciais efeitos negativos para as crianças. Mas a situação foi de certa forma encabeçada e certamente potencializada pela publicação de dois artigos do Dr. Fredric Wertham, em 1948: “Horror in the Nursery” e “The Psychopathology of Comic Books”. À época, alguns crimes cometidos por adolescentes se assemelhavam aos vistos nas histórias em quadrinhos, o que fez os pais olharem com maus olhos para os comics (numa situação não muito diferente de polêmicas mais recentes, relacionados à games e RPG).

Mas foi realmente em 1954 que a coisa ficou feia, com a publicação do famigerado “A Sedução do Inocente”, do mesmo autor que publicara aqueles dois artigos anos antes. O que aconteceu é que Wertham, percebendo que seus piores pacientes eram leitores de quadrinhos, deduziu que eram estes que estavam levando os jovens à delinqüência (o que, para a época, seria mais ou menos o mesmo que hoje em dia um psiquiatra resolver dizer que os piores pacientes dele jogam vídeo-game e por isso os games são a causa do problema deles). Somando a isso, a criação de uma audiência do congresso americano sobre delinqüência juvenil, altamente divulgada na imprensa e que acabou colocando os quadrinhos em sua mira, fez com que a indústria estremecesse, prejudicando distribuidoras de quadrinhos e colocando editoras fora do negócio. Estava criado o Comics Code Authority, selo que serviria como ferramenta para regulamentar o que podia e o que não podia ser colocado em uma história em quadrinhos (assunto sobre o qual me estenderei em postagens futuras).

Willian Gaines e a EC Comics foram provavelmente os maiores prejudicados, já que eventualmente o selo passou a ser o que os perseguidores dos quadrinhos queriam: uma arma para censurar tudo o que eles quisessem. E o “tudo o que eles quisessem” era bastante abrangente e incluía situações absurdas, como a proibição do uso das palavras “horror”, “terror” e “weird” (algo como “esquisito”, “estranho”, em tradução livre) nas capas de qualquer comic. Quando, por conta disso, distribuidores se recusaram a distribuir muitas das revistas da EC (algumas inclusive das mais famosas e vendáveis), Gaines encerrou a publicação de suas 3 revistas de terror e seus dois títulos “SuspenStory”. Tudo isso ainda em 1954.

Para tentar sobreviver, a EC mudou o foco das suas revistas para histórias mais realistas como M.D (sobre medicina) e Psychoanalysis. Também renomeou suas revistas de Sci-fi remanescentes mas, já que as edições iniciais não carregavam o selo do Comic Code, os revendedores se recusaram a vendê-las. Após consultar sua equipe, Gaines, mesmo relutante, enviou as HQs para avaliação do Comic Code e então todos os títulos desta “nova direção” da EC receberam o selo a partir das segundas edições, mas as revistas não tiveram boas vendas e acabaram sendo canceladas em poucas edições.

Incredible Science Ficion # 33 foi a última HQ publicada pela EC. Gaines mais uma vez mudou o foco da EC para “picto-Ficção”, que era uma linha de revistas em preto e branco com histórias ilustradas, além da tentativa de reescrever histórias publicadas anteriormente em outras revistas da EC. Mas a mudança de foco não rendeu e, quando o distribuidor nacional da EC foi à falência, Gaines encerrou todos os títulos com exceção da MAD que, já em formato magazine, podia escapar do crivo do Comic Code Authority por não ser uma revista em quadrinhos per se. Foi o fim de uma era. Mas ainda não é o fim da série de posts sobre a editora.

Curiosidades:

Num dos casos mais notórios relacionados ao caso EC/Comics Code, Gaines ameaçou processar o juiz Charles Murphy, que era o administrador do Comic Code na época, por conta da ordem que o juiz dera de alterar a história de ficção científica “Judgment Day”, publicada em “Incredible Science Fiction #33”, que era uma reimpressão de uma história de Weird Fantasy pré-Comic Code e inserida após a história que seria publicada nesta edição ter sido rejeitada pelo código. O problema com esta HQ era que o personagem principal era negro. A edição em questão contava a história de um astronauta humano, um representante da república galáctica, visitando um planeta habitado por robôs e encontrando-os divididos entre raças laranja e azul funcionalmente idênticas, sendo que uma das raças tinha menos direitos e privilégios que outras. O astronauta decide que, devido ao preconceito encontrado entre os robôs a República Galáctica não poderia admitir o planeta em suas fileiras. No quadro final, ele remove seu capacete, revelando ser um negro. Murphy queria que o astronauta negro fosse removido, mesmo que isso não fosse um motivo real dentro das regras do código, o que era bizarro porque, removendo a etnia do personagem, toda a história perderia o sentido. Gaines e o roteirista da história, Al Feldstein brigaram e ameaçaram processar o juiz, que mesmo tendo insistido e ordenado a remoção do personagem negro, acabou vendo a história ser impressa do jeito original.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #7 – EC Comics parte 2: O auge

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A EC comics, em seus primeiros anos contou com uma leva de publicações de muito sucesso, entre elas Crypt of Terror (logo depois renomeada para Tales From the Crypt) The Vault of Horror e The Haunt of Fear, mas ainda havia muitas outras. Quadrinhos de guerra como Frontline Combat e Two-Fisted Tales geralmente focavam-se em histórias nada heróicas que fugiam do americanismo tradicional, enquanto Shock SuspenStories lidavam com temas como racismo, sexo, drogas e o “American Way of Life”, com uma pegada que lembrava os filmes noir. Mas a editora publicamente se orgulhava de seus títulos voltadas para a ficção científica, como Weird Science e Weird Fantasy, que publicavam histórias inusitadas em comparação com as “space operas” publicadas em títulos sci-fi de outras editoras.

Entre os temas mais recorrentes das revistas da EC, estavam situações comuns com uma reviravolta irônica ou sinistra, geralmente uma justiça poética pelos crimes do protagonista; gêmeos siameses (sim, este era um tema popular e bastante recorrente nos primeiros anos da EC); adaptações de histórias de ficção científica de Ray Bradbury e histórias com uma mensagem política, que se tornou comum nas histórias de ficção científica e suspense da editora (entre os tópicos dentro deste tema encontravam-se condenações sem julgamento, antissemitismo e corrupção política).

Mas com certeza o tema mais proeminente na EC Comics era, de longe a sátira que, ora era encontrada na crítica política, ora no humor negro das situações cotidianas que acabavam mal, mas que deram origem àquela que talvez seja a revista mais famosa da editora: MAD.

mad26aCriada em 1952, a MAD tinha como foco específico a sátira e a paródia. Começou como uma HQ e dois anos depois se tornou uma revista no formato magazine, mas sempre com o mesmo foco. A popularidade da MAD se deu porque ela foi publicada em um momento bastante propício, onde os americanos careciam de revistas com teor de sátira política uma vez que, em meio da paranóia da Guerra Fria, a censura aos meios de comunicação era uma realidade presente. Mas nem tudo foram flores para a MAD, que recebeu diversos processos por conta de seu humor ácido, crítico e muitas vezes ridicularizador. A revista MAD, como vocês devem saber, dura até hoje, mesmo após a desativação da EC Comics, o que mostra a força da publicação.

Infelizmente, mesmo com o sucesso e com temas populares, um monstro muito pior do que qualquer um que figuraria nas histórias da EC iria pôr um fim à editora.

Curiosidades:

– MAD foi, por muito tempo, a revista mais bem-sucedida do mercado americano a publicar totalmente sem a ajuda de publicidade. Isto era ótimo para os artistas, que podiam criticar sem dó a cultura de massa e do consumismo sem sofrer represálias nem ter que se conter;

Alfred E_ Newman_jpgAlfred Newman, o rosto famoso que estampa as capas da MAD apareceu na revista pela primeira vez em 1954. O que pouca gente sabe é que este rosto não foi criado pela editora, ele já existia nas pictografias americanas há décadas, sendo de uso comum e autoria desconhecida até a EC veiculá-la na revista e passar a ter domínio sobre a imagem.

 

 

 

 

Edições anteriores:

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror – EC Comics parte 1: O início

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eclogoNão dá para falar de quadrinhos de terror hoje em dia sem lembrar da editora que basicamente “criou” o terror em quadrinhos na América e que foi influência para todas as gerações que se seguiram, a EC Comics. Referência não só nos quadrinhos, mas também em outras mídias, tendo inspirado uma serie de filmes, séries de TV, músicas até os dias de hoje. A partir do post de hoje, você vai conhecer um pouco sobre a história desta que é uma das editoras americanas mais influentes (artisticamente falando) que já surgiram.

maxgainesTudo começou quando a All-American Publications (responsável pela criação de personagens conhecidos como o Flash original, o Lanterna Verde, Gavião Negro, Mulher Maravilha, entre outros) se fundiu com outras duas editoras para formar a DC Comics em 1944. Max Gaynes, que fora editor da All-American Publications, após esta fusão continuou com os direitos da HQ Picture Stories from the Bible, e então iniciou uma nova empresa com o objetivo de vender quadrinhos sobre ciência, história e a bíblia para escolas e igrejas. Nascia assim a Educational Comics (Quadrinhos Educacionais, em inglês).

EC_youngainesMas a tragédia logo acometeria Max que, em 1947 morreria em um acidente de barco. O filho de Gaines, Willian, na época fazia parte da United States Army Air Corps (precursora da Força Aérea Americana) e, só voltou para sua cidade natal para terminar os estudos, onde pretendia lecionar química. Acabou assumindo os negócios da família em 1949 e 1950, quando começou a introduzir diversas séries em quadrinhos que fugiam um pouco (alguns completamente) do objetivo original da empresa, tendo foco no terror, suspense, sátira, ficção científica, militar e criminal.

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EC_Bill-AlCom a ajuda dos editores Al Feldstein e Harvey Kurtzman, a editora se beneficiou com os artistas que eram designados por eles para as histórias (tendo nomes como Frank Frazetta e Wally Wood), escritas geralmente pela dupla de editores, sendo mais adiante auxiliados por outros roteiristas, entre eles, Otto Binder (que é bastante conhecido pelo seu trabalho na Fawcett Comics com o Capitão Marvel, mas que escreveu outros personagens conhecidos em seus primórdios, como Tocha Humana original, Namor e Capitão América, além de ter trabalhado também nos títulos do Superman para a DC). E assim, a Educational Comics deixou o “Educational” do nome, que foi substituído por “Entertainment”, nascendo assim a EC Comics como a conhecemos.

A editora possui muitos méritos em sua criação. Foi a primeira editora a ter um relacionamento mais direto com seus leitores através de cartas ao editor e sua organização de fãs. Além disso, foi uma pioneira em promover seus artistas como indivíduos, creditando-os nas histórias e incentivando os mesmos a assinarem seus trabalhos para a editora, encorajando-os a desenvolver seus próprios estilos de desenho. Até então era uma prática comum na indústria de quadrinhos ocultar os créditos da maioria dos artistas (com exceção de alguns específicos, como Bob Kane e a dupla Jack Kirby-Joe Simon).

Curiosidades:

– Max Gaines foi um dos pioneiros do formato comic book, tendo feito parte da gênese dos quadrinhos americanos com Famous Funnies: A Carnival of Comics, um dos precursores das revistas de quadrinhos nos EUA;

– Harvey Kurtzman, um dos editores da EC é mais conhecido por ter sido o criador da revista MAD (que existe até hoje).