Apresentadores não são novidade na TV. De fato, este conceito é provavelmente tão antigo quanto a própria TV. Mas existiu um tipo muito particular de apresentador de TV que capturou a imaginação de milhões de norteamericanos, especialmente entre os anos 50-80: os Horror Hosts (apresentadores/anfitriões de terror, em tradução livre). Frequentemente encarnando personagens sombrios, sobrenaturais e/ou misteriosos, os horror hosts tinham como tarefa apresentar filmes de baixo orçamento e filmes de horror e sci-fi de diversos tipos. Os mais conhecidos do público em geral foram Vampira (a primeira horror host da TV), Elvira (mais sobre ela aqui) e a versão televisiva do Guardião da Cripta (Contos da Cripta)
O que muita gente talvez não saiba, no entanto, é que a ideia dos horror hosts começou anos antes nas histórias em quadrinhos, através das hqs de antologia que continham seu próprio apresentador macabro. A E.C Comics e, posteriormente, a Warren Publishing, foram duas das editoras cujos horror hosts são bastante conhecidos dos fãs de quadrinhos, mas essa tendência se espalhou por muitas outras editoras entre os anos 50 e 80, criando uma tradição nos quadrinhos de horror de antologia. Vamos conhecer os horror hosts dos quadrinhos.
E.C Comics
Os primeiros horror hosts surgiram no início dos anos 50 e estão entre os mais conhecidos dos leitores de quadrinhos. Quando os quadrinhos de horror emergiram como uma alternativa popular após a Segunda Guerra, a recém-formada E.C. Comics aproveitou o amor do fundador e do editor pelo gênero para investir numa tríade de hqs que se tornariam referência a partir daí: The Vault of Horror, The Haunt of Fear e Tales From the Crypt (1950).
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Na teoria, cada revista tinha associada a si um horror host: The Vault of Horror tinha o Vault Keeper, Tales From the Crypt tinha o Crypt Keeper e The Haunt of Fear tinha The Old Witch. Na prática, no entanto, os três apresentadores eram vistos contando histórias nas 3 revistas, tornando difícil dissociar uma hq da outra. Além dos 3 apresentadores clássicos, The Vault of Horror teve suas 4 últimas edições apresentadas pelo Vault Keeper em conjunto com uma outra personagem, uma silenciosa mulher chamada Drusilla (visualmente muito semelhante à Vampira, horror host televisiva da época)
Mais sobre a história da E.C. Comics aqui, aqui, aqui e aqui.
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Warren Publishing
A editora que trouxe o horror de volta nos anos 60 ao se aproveitar de uma brecha legal no Comics Code Authority (saiba mais aqui e aqui) trouxe as revistas de antologia e também a tradição dos horror hosts de volta. Não por acaso, a Warren trouxe diversos dos artistas e autores que trabalharam na extinta E.C. para produzir as antologias da editora.
Uncle Creepy era o apresentador da revista Creepy (1964), enquanto que o Cousin Eerie era sua contraparte na revista irmã Eerie (1966). Vampirella (1969), que completou a tríade da Warren, começou como horror host, mas com o tempo sua revista passou a contar apenas com histórias solo da personagem, tornando-a provavelmente o personagem mais popular criada pela Warrem.
Recentemente, tanto Creepy quanto Eerie têm tido suas histórias republicadas e Vampirella, apesar dos percalços editoriais ao longo das décadas, segue firme e forte, agora nas mãos da Dynamite Entertainment, em histórias próprias.
Mais sobre a história da Warren Publishing aqui.
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DC Comics
A DC iniciou seu caminho nas hqs de horror ainda nos anos 50, com suas revistas House of Mystery (1951) e House of Secrets (1956). No entanto, estas revistas passaram a ter horror hosts apenas nos anos 60 (mais especificamente em 1968), quando o Comics Code Authority começou a ser desafiado pelas grandes editoras e a flexibilização de algumas das regras permitiria à DC trazer de volta um pouco do tom de horror às suas revistas (que haviam sido reimaginadas como histórias de super-herói). A partir daí, a relação da DC com horror hosts expandiu significativamente.
Cain e Abel eram os apresentadores/moradores de House of Mystery e House of Secrets, respectivamente, mas também apresentaram uma revista satírica de humor/horror da DC chamada Plop! (1973), junto com a personagem Eva, que também era a horror host de outra revista, Secrets of Sinister House (1972). Os 3 personagens eram, basicamente, suas contrapartes das histórias bíblicas e fizeram parte do universo DC em diversos momentos. Elvira, horror host da televisão, passou pela Casa dos Mistérios num lançamento de 12 edições chamado Elvira’s House of Mystery (1986), onde ficou de apresentadora no lugar de um desaparecido Cain. (mais sobre as passagens de Elvira pelos quadrinhos aqui).
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Eva foi, mais tarde, “transferida” para a revista Weird Mystery Tales (1972), enquanto que Secrets of Sinister House passou a ser apresentada pelo personagem Destino – mais tarde resgatado por Neil Gaiman para sua série Sandman – quando esta passou a se chamar Secrets of Haunted House (1975). A revista também era apresentada ocasionalmente por Cain, Abel e Eva, mas Destino era o único host fixo.
Alem dos anfitriões mais conhecidos, a DC Comics teve também The Mad Mod Witch, que foi a primeira apresentadora da revista Unexpected (1968). Diferente dos outros horror hosts, no entanto, The Mad Mod Witch não dominava a revista em que aparecia. The Unexpected também teve como apresentadores Abel, de House of Secrets, e The Three Witches, as bruxas Mildred, Mordred e Cynthia que, juntas, eram a personificação da vingança. Logo as 3 Bruxas passaram a apresentar também a revista The Witching Hour (1969) -mais tarde, as duas hqs seriam fundidas em uma só publicação.
Uma revista irmã de Secrets of Sinister House, chamada Forbidden Tales of Dark Mansion (1971), passou a ser apresentada por uma personagem chamada Charity a partir da edição #7. Charity era uma cartomante que contava suas histórias para quem parasse na tal da “Mansão sombria”, mas que depois foi incorporada ao Universo DC por James Robinson, residindo em Opal City (cidade natal de Starman), onde abriu uma loja chamada Fortunes & Forbidden Tales.
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Outros horror hosts da DC incluíram Squire Shade, um fantasma que trajava uma roupa clássica na cor branca e monóculo, que assumiu a revista Ghosts (1971) a partir da edição 104; Morte, que apresentava a revista Weird War Tales (1971); e Lucien, o guardião da biblioteca de um castelo abandonado na Transilvânia que vivia com Rover, seu companheiro Lobisomem – apresentadores da revista Tales of Ghost Castle (1975). Morte e Lucien foram outros dois personagens aproveitados por Neil Gaiman em Sandman, embora o visual da Morte tenha sido completamente reimaginado para a série.
Mais sobre o terror na DC Comics aqui e aqui.
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Charlton Comics
Nem só de super-heróis como Besouro Azul e Capitão Átomo vivia a Charlton, que possuía também um bom número de publicações de terror, algumas delas com seus próprios horror hosts. Mr. L. Dedd (mais tarde renomeado I. M. Dedd) foi um homem de meia idade de chifres que se vestia como um vampiro e contava histórias de sua casa assombrada na revista Ghostly Tales (1966). Já o Dr. M. T. Graves, depois de ser introduzido em Ghostly Tales #55, passou a apresentar suas próprias histórias em The Many Ghosts of Doctor Graves (1967). Diferente da maioria dos apresentadores, Dr. Graves às vezes era participante das histórias que contava.
Outra revista irmã de Ghostly Tales era Ghost Manor, que teve dois volumes: o primeiro, de 1968, era apresentado pela “Velha Bruxa” (que não era a mesma de Haunt of Fear da E.C.); e o segundo, a partir de 1971, apresentado por Mr. Bones, um mordomo que era um esqueleto reanimado com uma máscara sinistra. Entre um volume e outro, Ghost Manor deu lugar a Ghostly Haunts (1971), que era apresentada por Winnie the Witch, uma bruxa de pele azul.
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Completam a lista da Charlton as revistas Haunted (1971), que teve como apresentadores o fantasma diminuto Impy e mais tarde Barão Weirwulf; Midnight Tales (1972), que tinha dois apresentadores: Professor Coffin, também conhecido como The Midnight Philosopher, e sua sobrinha Arachne; e Scary Tales (1975), apresentado pela sedutora vampira de roupas justas Condessa R.H. Von Bludd. A maior parte dessas revistas era publicada bimestralmente e algumas delas duraram até o fim da Charlton, em meados dos anos 80.
Outras editoras
Apesar de ter uma grande tradição no terror, a Marvel Comics teve apenas um horror host digno de nota: Digger, uma assassino de pele verde (às vezes azul) que contava histórias para suas vítimas enquanto as enterrava em duas revistas, Tower of Shadows e Chamber of Darkness, de 1969. Ambas as revistas foram reformuladas em 1971, sem seu apresentador (“Tower…” se tornou Creatures on the Loose e “Chamber…” virou Monsters on the Prowl).
Mais sobre terror na Marvel Comics aqui.
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Outra editora que teve horror hosts foi a Gold Key, que além de publicar uma hq baseada em Além da Imaginação – que tinha como apresentador Rod Serling, também apresentador da série (mais sobre aqui) – também publicava Dr. Spektor Presents Spine-Tingling Tales (1975), apresentada pelo Doutor Spektro do título, um “detetive do oculto” que antes havia sido protagonista nas revistas Mystery Comics Digest (1972) e The Occult Files of Doctor Spektor (1973).
Os anos 80 viram os últimos resquícios dos apresentadores de terror. Diversos deles (especialmente na DC Comics) retornariam mais tarde como personagens, seja em suas próprias histórias ou como coadjuvantes de outros títulos. Mas a tradição de produzir antologias apresentadas por personagens sinistros acabou sendo deixada de lado, infelizmente.
Horror hosts dominaram os quadrinhos de horror americanos por um bom tempo e causaram impacto entre os fãs de inúmeras gerações. Uma tradição que, ainda que tenha se dissipado com o tempo, nunca vai deixar de fazer parte dos pesadelos e das histórias macabras dos entusiastas do gênero.
Curiosidades:
– O Guardião da Cripta (The Crypt Keeper) foi um dos apresentadores das revistas da EC que pularam das hqs para outras mídias em duas ocasiões: primeiro, na adaptação britânica de Contos da Cripta, um filme que continha 4 histórias apresentadas pelo personagem, e na famosa série de TV Contos da Cripta. Apesar do Guardião da Cripta da série ser o mais lembrado, ele nada tinha a ver com o apresentador dos quadrinhos. A versão do filme britânico é mais fiel ao visual e características da hq original;
– Apesar do título, a série Contos da Cripta não adaptava apenas histórias de sua HQ homônima. Vários episódios foram adaptados também de Vault of Horror e Haunt of Fear;
– Nos anos 90, a versão televisiva do Guardião da Cripta foi o apresentador de uma animação chamada Tales from the Cryptkeeper, uma versão infantil dos Contos da Cripta que tinha histórias originais (sem ser baseado na série ou nas hqs);– Cain e Abel foram personagens relevantes no arco Gótico Americano do Monstro do Pântano, escrito por Alan Moore. Eva foi resgatada nas histórias do Sandman escritas por Neil Gaiman;
– Além da sua passagem por House of Mistery, Elvira também teve sua própria revista regular nos anos 90 pela editora Claypool, onde era a personagem principal ao invés de apenas a apresentadora das histórias;
– A capa da edição 54 de The Many Ghosts of Doctor Graves foi um dos primeiros trabalhos de John Byrne para a indústria.
Edições anteriores:
35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)
34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)
33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson
32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho
30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife
29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla
28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação
27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1
26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro
25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code
24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão
23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X
22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese
21 – Terror nas grandes editoras, parte final
20 – Terror nas grandes editoras, parte 2
18 – Terror nas grandes editoras, parte 1
17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness
16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final
15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto
14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1
13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas
12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura
11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz
10 – EC Comics, parte 3: o fim
9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga
8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)
7 – EC Comics, parte 2: o auge
6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional
5 – EC Comics, parte 1: o início
4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo