Sarjeta do Terror #9 – Super heróis “com um pé” no terror: Homem-Formiga

capapost9

Aproveitando a estreia do filme Homem-Formiga, mais uma produção baseada nos quadrinhos da Marvel, resolvi iniciar uma “série” dentro do Sarjeta de Terror que há um tempo tenho pensado em fazer: Super-heróis “com um pé” no terror. Em posts que pintarão na coluna aleatoriamente, vou falar de personagens (especificamente dos quadrinhos de super-herói) que tem algum tipo de vínculo direto ou indireto com o terror, sendo por seus temas mórbidos, suas origens vinculadas às histórias de terror ou por algumas idiossincrasias do gênero.

Neste primeiro post da série, aproveito para contar um pouco dos primórdios deste personagem nos quadrinhos, uma vez que muitos talvez não saibam que Hank Pym não começou sua carreira exatamente como super-herói, e sim como um personagem bem mais voltado para o sci-fi/terror.

Antes, um pouco de contextualização: Bem antes da editora que conhecemos como Marvel Comics, ainda nas décadas de 30 e 40 (durante a chamada Era de Ouro dos comics), existia um homem chamado Martin Goodman. Goodman era dono da Red Circle Publishing, uma marca “guarda-chuva” que abraçava uma série de empresas de publicação de livros e quadrinhos, especialmente pulps. Entre as empresas de Goodman estavam a Timely Comics.

Embora a Timely não fosse uma editora de terror per se (se vocês têm boa memória, devem lembrar que na minha postagem sobre a história dos comics de terror, eu comento sobre como o gênero propriamente dito não existia nessa época), ela ajudou a expandir o subgênero pulp do “Weird Menace”, que já tinha “um pé” no terror. Além disso, entre as HQs de western, de super-heróis e pulps, reverberavam diversos temas que mais tarde ficariam associados mais a esse gênero gênero, com ciência que dá errado, monstros gigantes, pessoas que se transformam em criaturas bizarras, alienígenas,criaturas míticas, entre outros.

Não é a toa que, quando a Marvel Comics surgiu, filha da Atlas (anteriormente Timely) as revistas tinham títulos mais sinistros e menos heroicos (Journey into Mistery, Tales to Astonish, Tales of Suspense) e seus primeiros super-heróis eram um pouco bizarros para a época (um adolescente nerd que ganha poderes de uma aranha; uma família formada por um cara que se estica, um monstro de pedra, um monstro que pega foto e uma mulher que fica invisível; um monstro verde ao estilo “Dr. Jekyll e Sr. Hyde”). É nesse contexto da Marvel, que misturava super-heróis com um sci-fi fantástico de terror a lá “Além da Imaginação”, que Hank Pym é criado.

A edição de número 27 da revista “Tales to Astonish” trazia, em 1962, uma história curta intitulada “The Man in the Ant Hill” (O Homem na Colina das formigas, em tradução livre). Nesta história, Hank Pym é um cientista que consegue desenvolver uma fórmula capaz de reduzir o tamanho de objetos, e outra capaz de retorná-las ao tamanho normal. Colocando apenas algumas gotas do soro redutor no seu braço, ele acaba encolhendo, apenas para perceber que havia deixado o soro que aumentava seu tamanho na beira da janela. Na aventura para chegar até o soro e retornar ao tamanho normal, ele acaba no jardim e sendo perseguido por formigas. Após quase morrer, ele consegue chegar até o soro, retornando ao tamanho normal. Assim, convencido de que sua invenção é perigosa, ele joga o soro fora.

Apenas 8 edições depois é que Hank Pym foi reintroduzido, na mesma revista, como o super-herói (com uniforme e tudo) chamado Homem-Formiga (seguido por, edições depois, sua namorada Janet Van Dyne, a Vespa), tornando-se personagem regular de Tales to Astonish. Não demorou muito para Pym e Janet serem vistos em outra revista, como membros fundadores da equipe Os Vingadores. E o resto é história.

Curiosidades:

– A Timely Comics é responsável pela criação de dois clássicos personagens da Marvel que fazem parte do universo de personagens da editora até hoje: o Tocha Humana original (Jim Hammond, que era na verdade um androide que pegava fogo) e Namor, o Príncipe Submarino. A revista em que estes personagens surgiram tinha o nome de Marvel Comics;

– Outro personagem que passou por Tales to Astonish (embora tenha sido criado antes) foi Ka-Zar, que existe até hoje no universo Marvel;

– A revista Marvel Comics (depois renomeada para Marvel Mistery Comics) passou de uma antologia sci-fi/pulp para uma antologia declaradamente de horror em 1949, passando a ser intitulada “Marvel tales”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror – A história dos quadrinhos de Terror: os primórdios

Saudações, argonautas! A partir de hoje, estarei pintando por aqui semanalmente para falar sobre quadrinhos dentro de um nicho muito específico, mas bastante popular: o terror. Minha intenção é evitar fazer posts muito longos ou divididos em várias partes. Quando o segundo caso for necessário, tentarei fazer com que cada texto seja fechado por si próprio, podendo também ser lido isoladamente. Para não cansar o leitor, pretendo alternar textos mais “históricos” alternando com postagens mais específicas (sobre uma HQ, um autor, etc). Espero que assim os leitores possam aproveitar e digerir melhor a leitura desta coluna.0-capapost1

Para inaugurar esta coluna semanal, penso que nada mais adequado do que analisar as origens das Hqs de terror como conhecemos e falar um pouco sobre sua evolução. Então, vamos então ao que interessa?

Tentar traçar a origem de qualquer estética narrativa é uma tarefa impossível de se conseguir com a precisão que as pessoas esperam, uma vez que as histórias são quase tão antigas quanto a espécie humana. Por essa razão, vou ignorar os antecedentes do terror que não são histórias em quadrinhos e fechar num recorte mais limitado, para tornar o texto mais curto e acessível. Também vou usar como parâmetro os chamados “quadrinhos modernos”, ou seja, o formato usado a partir do século 19 (já que, assim como as estéticas narrativas, também podemos traçar a alinha do tempo dos quadrinhos para muito antes no tempo).

A trajetória dos quadrinhos de terror começa informalmente, lado a lado com a dos quadrinhos de fantasia e space opera, dentro dos chamados quadrinhos pulp*. Para quem não sabe, “pulp” foi um formato popular no início do século 20. Eram revistas de histórias sensacionalistas sem muita profundidade literária impressa em papel baratíssimo e de baixo custo para o leitor. Os pulps não possuíam muito compromisso como cronologia, com caracterização aprofundada de personagens e muito menos com a realidade e tinham o único propósito de ser um entretenimento simplista e descompromissado. Os estilos mais populares nos quadrinhos pulp eram o space opera, histórias criminais e um tipo de horror descartável com forte influência no horror naturalista.

O terror encontrou caminho nos quadrinhos pulp principalmente (mas não exclusivamente) através de um subgênero que ficou conhecido como “weird menace” (algo como “ameaça esquisita”), que era caracterizado por histórias onde o protagonista se via às voltas com vilões sádicos e contava com cenas gráficas de tortura, violência e brutalidade**. Em geral, as resoluções das histórias dentro do “weird menace” possuíam explicações racionais, embora um ou outro se aventurasse a envolver o sobrenatural.

O primeiro pulp de weird menace foi provavelmente Dime Mystery, que começou como uma história padrão de detetive (que era o estilo mais popular no início), mas com o tempo foi desenvolvendo, lá por 1933, um novo gênero, com influências no Teatro do Grand Guignol. A partir daí, outras publicações seguiram nessa linha, e surgiram revistas como Terror Tales, Horror Stories e os comics do Red Circle Publishing, como Mystery Tales, que aumentaram bastante o conteúdo gráfico de tortura.

O leitor mais atento deve imaginar que o aumento significativo das cenas de horror nestas revistas não passou despercebido pela sociedade americana da época, e provocou um clamor público contra estas publicações. Com o tempo, as críticas ao conteúdo acabaram sepultando o gênero. Isso foi no início dos anos 40, bem antes do infame Comics Code (embora seja bem possível que outros fatores também tenham contribuído, como o surgimento e subsequente transferência de popularidade dos pulps para os super-heróis).

Estes foram os primórdios das hqs de terror, pelo menos nos EUA. É verdade que o terror não se resume à América do Norte, mas ela certamente constitui o melhor ponto de partida para falar sobre o tema. Com o tempo, tentarei escrever sobre os quadrinhos de terror em outros países (principalmente por que não pode faltar uma palavra sobre as Hqs de terror no Brasil).

Na próxima vez que revisitarmos a história dos comics de terror, falaremos sobre as revistas de terror propriamente ditas, pós-pulp, e a “era de ouro” dos quadrinhos de terror americanos, onde o grande expoente certamente foi o advento da E.C. Comics.

Curiosidades:

– Em geral, os pulp comics apenas estenderam a atuação das revistas pulp para os quadrinhos, levando muitos personagens para as páginas ilustradas. Muitos destes personagens lembrados até hoje surgiram, foram popularizados ou encontraram seu caminho nos pulps, entre eles Doc Savage, O Sombra, Tarzan, Zorro, Ka-Zar, Buck Rogers, Solomon Kane e Conan;

– “Red Circle Publishing” era o nome “guarda-chuva” de um grupo de empresas de publicação de livros e pulps liderada por Martin Goodman, que expandiu o subgênero do “weird menace”. O principal braço de quadrinhos de Goodman dentro do Red Circle era a Timely Comics, que posteriormente se tornaria a Marvel Comics.

*Vale ressaltar que, na maior parte do tempo, quando estiver me referindo a quadrinhos de terror, estarei falando majoritariamente dos comics (quadrinhos norteamericanos). Existem, é claro, quadrinhos de terror em outros lugares, nos quadrinhos europeus, nos mangás, nos quadrinhos nacionais… Mas como eles possuem um contexto próprio, serão deixados de lado aqui e provavelmente terão postagens a respeito futuramente.

**No cinema, subgênero similar é chamado de “splatter”.