Sarjeta do Terror #32 – Super-heróis com um “pé” no Terror: Doutor Estranho

A Marvel Comics é uma editora que, mais do que um “pé” no terror, tem o corpo inteiro, tendo sido fundado basicamente sobre uma editora de terror, como já mencionei em um texto anterior. Mas é claro que uns personagens estão mais para lá do que os outros e podemos considerar Doutor Estranho um deles. Como o mais recente personagem da Marvel a ter um filme solo, nada melhor do que conhecermos um pouco da sua trajetória nos quadrinhos.

Apesar das raízes no terror, a Marvel Comics teve como referência para seus primeiros personagens a ficção científica. Mesmo super-heróis como Thor era abordado (mesmo que não explicitamente) mais como uma espécie superavançada do que uma divindade propriamente dita. Doutor Estranho foi o primeiro personagem a explorar explicitamente o sobrenatural. Por “sobrenatural” entenda conceitos que possuem explicação vaga ou nenhuma explicação da lógica interna do seu funcionamento e onde o mistério do conceito desempenha papel maior do que sua explicação.

Doutor Estranho foi criado em 1963 para a revista Strange Tales por Stan Lee e Steve Ditko. Ditko, que não era nem um pouco estranho ao terror (um ano depois estaria ilustrando as páginas de Creepy para a Warren Publishing) e foi ele quem levou a ideia do personagem para Lee e, na edição 110 da revista, o personagem estreou.

A origem do Doutor Estranho se manteve relativamente inalterada ao longo dos anos: Stephen Strange, um cirurgião brilhante, porém arrogante, pensava mais no quanto poderia ganhar de fama e dinheiro com suas habilidades do que ajudar as pessoas. Até o dia em que um acidente destrói o instrumento sem o qual ele não poderia mais realizar cirurgias (suas mãos). Depois de gastar todo o seu dinheiro tentando recuperar suas mãos, sem sucesso, em um último recurso acabou indo parar nas montanhas do Himalaia, onde encontra o Ancião, um mestre oriental muito antigo, que o inicia nas artes místicas, dando novo rumo à sua vida. Logo na primeira história já somos apresentados ao ancião e, em sua origem, poucas edições adiante, somos apresentados também ao Barão Mordo, que se tornaria um de seus inimigos mais mortais.

1963 – 1969

As primeiras aventuras do Doutor Estranho fugiam completamente do que se poderia esperar de histórias sobrenaturais, ao menos visualmente. Ao invés de colocar Doutor Estranho contra criminosos comuns ou supervilões, Lee e Ditko colocavam o personagem desbravando outras dimensões, encarando monstros bizarros e encontrando criaturas que representavam os mais abstratos conceitos (como Pesadelo ou Eternidade, personagens que existem até hoje no Universo Marvel). Os painéis eram coloridos e psicodélicos e os desenhos eram bastante inovadores para a época, incorporando – e até antecipando – o contexto que os anos 60 viveria nos EUA.

A “era de ouro” do personagem com a revista Strange Tales encerrou-se na edição 168, quando o título, que não mais figuraria outros personagens, passou a se chamar adequadamente “Doutor Estranho”. Neste período, além de Ditko, Bill Everett (criador do Namor), Marie Severin e Dan Adkins também desenharam esta fase. A primeira versão da revista do Doutor Estranho durou 15 edições, seguindo a numeração original da Strange Tales, passando a ser escrita por Roy Thomas e desenhada por Gene Colan e – mais para o fim – o arte-finalista Tom Palmer.

1971 – 1987

Após o encerramento de sua revista, Doutor Estranho apareceu na revista quadrimestral Marvel Feature, onde ajuda a fundar os Defensores. Após isso, vai parar em Marvel Premiere (revista já mencionada em outros artigos, que protagonizavam personagens como laboratório da editora para ver a possibilidade de criar novos títulos), ficando na revista por 12 edições, até ter novamente lançada uma revista solo. Foi nesta passagem pela Marvel Premiere, escrita por Steve Englehart e desenhada por Frank Brunner, que surgiu o personagem Shuma-Gorath. É nesta fase também que Doutor Estranho, Após ser obrigado a “desligar” o cérebro do Ancião (consequentemente provocando sua morte), se torna o novo Mago Supremo.

Depois da edição 14 de Marvel Premiere, um novo título do personagem passou a ser publicado. Doctor Strange: Master of Mystic Arts (também conhecido como Doctor Strange vol. 2) durou 81 edições, também escritas por Englehart. Nesta fase, o personagem teve crossover com A Tumba de Drácula e terminou com o Sanctum Santorum gravemente destruído durante uma batalha, fazendo com que a maior parte dos artefatos de Estranho tenham expirado ou sido destruídos, deixando o personagem muito mais fraco. A essa fase, seguiu-se uma curta passagem pela revista Strange Tales novamente (o segundo volume da revista), onde dividia espaço com Manto e Adaga. Estas histórias, que duraram 19 edições, mostram Estranho tentando recuperar seu poder e ressuscitar os Defensores, que haviam sido mortos na última edição do seu título próprio.

Foi durante este período que o filme para TV do Doutor Estranho (Dr. Strange, 1978) foi lançado. A produção da CBS servia como piloto para uma futura série do personagem, junto com outras séries da Marvel que a emissora já tinha, Homem Aranha e Hulk. Mas a série do Doutor Estranho nunca viu a luz do dia. Quase 10 anos depois, uma das Graphic Novels mais clássicas com o personagem seria publicada: Shamballa (1987).

1988 – 1995

Logo Doutor Estranho retornou para um título próprio, Doctor Strange: Sorcerer Supreme, que durou 90 edições, inicialmente produzido por Peter B. Gillis (roteiro), Richard Case e Randy Emberlin (arte). Apesar do título da revista, Doutor Estranho acabou perdendo o “cargo” de mago Supremo quando se recusou a lutar numa guerra por Vishanti. Assim, Estranho encontrou novas fontes de poder na forma de Magia do Caos, formaria os “Defensores Secretos” com um grupo rotativo de personagens e reuniria os Defensores originais, recuperando seu status de Mago Supremo na edição 80 da revista. Triunfo e Tormento, clássica Graphic Novel com Estranho e Doutor Destino, foi publicada neste período (1989)

1999 – hoje

Depois do fim da sua terceira revista solo, suas aventuras retornaram em diversas minisséries, como Doctor Strange: The Flight of Bones, Witches, Strange (que atualizou a origem do personagem) e Doctor Strange: The Oath.

Durante a década de 2000, mesmo sem revista própria, Doutor Estranho continuou tendo importância no Universo Marvel, aparecendo nos mais diversos títulos e tornando-se parte do grupo secreto Iluminatti. Em Guerra Civil, o personagem se colocou fora do conflito, mas, após estes eventos, decidiu ser mais pró-ativo e passou a fazer parte da equipe de Vingadores liderada por Luke Cage. Durante este período, diversos eventos fizeram-no começar a duvidar de suas habilidades, até que decide renunciar ao cargo, que passa a ser do personagem Irmão Vodu (agora Doutor Vodu).

Mais recentemente, Doutor Estranho acabou recuperando seu status de Mago Supremo após a morte do Doutor Vodu e atualmente figura em sua quarta revista solo, intitulada apenas Doctor Strange, por Jason Aaron e Chris Bachalo.

Doutor Estranho se tornou, ao longo de mais de 50 anos, um dos personagens mais importantes do Universo Marvel e, em 2016, fez sua primeira transição para a tela grande. O filme, que pega inspiração em diversas fases do personagem, é baseado principalmente nas primeiras histórias desenhadas por Steve Ditko e na minissérie “O Juramento” (The Oath). Abrindo caminho para o sobrenatural, Doutor Estranho promete ser, assim como é nos quadrinhos, um dos personagens mais importantes do Universo Cinematográfico da Marvel no futuro próximo.

Curiosidades:
– O nome “Dr. Estranho” surgiu por conta da revista que o publicou originalmente (Strange Tales). “Doutor” ficou no lugar de “Senhor” (Mr.) porque a editora já tinha o Senhor Fantástico;
– Para escrever os argumentos de Doutor Estranho, Stan Lee se baseou nas histórias de Chandu the Magician, um programa de rádio dos anos 30 sobre o americano Frank Chandler, que aprendeu as artes místicas com habilidades como projeção astral e, sob alcunha de Chandu, combatia o crime;
– Como era até relativamente comum em quadrinhos mais antigos, Doutor Estranho só teve sua origem detalhada algumas edições depois da sua estreia;
– No início, Doutor Estranho era chamado de “Master of Black Magic” (Mestre da Magia Negra) e não “Mestre das Artes Místicas”;
– Pesadelo foi o vilão da edição de estreia de Doutor Estranho;
– Segundo o historiador de quadrinhos Bradford W. Wright, as hqs do Doutor Estranho anteciparam a contracultura americana dos anos 60, que se tornaria fascinada por psicodelia e misticismo oriental;
– Durante a fase de Engleharrt e Brunner na Marvel Premiere, foi publicada uma história onde Doutor Estranho e o Mago Sise-Neg viajam pelo tempo coletando artefatos místicos. A batalha entre os dois acaba sendo responsável por incidentes do passado remoto como Sodoma e Gomorra. Os dois chegam até a origem do universo, onde Sise-Neg, agora um deus, acaba se tornando responsável pela criação do universo como conhecemos. Ao ler esta história, Stan Lee solicitou aos autores que publicassem uma retratação dizendo que o vilão era “um” deus e não “o” deus, para não ofender religiosos. Mas, ao invés disso, os autores fizeram uma carta de mentira, citando um pastor fictício que teria adorado a história, e enviaram para a Marvel. A editora acabou publicando a carta e deixando a retratação de lado;
– Uma revista com Doutor Estranho e o Homem de Gelo (em histórias solo) chegou a ser anunciada oficialmente, mas nunca ganhou a luz do dia;
– Strange Tales também figurava personagens como o Tocha Humana (a versão Johnny Storm em aventuras solo) e Nick Fury.

 

Edições anteriores:

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #26 – Super-Heróis com um pé no terror: O Espectro

Neste Sarjeta do Terror, conheça um pouco da história do Espectro, personagem com poderes quase divinos da DC comics e que teve origem na Era de Ouro dos quadrinhos.

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Apesar de ser um personagem criado dentro do gênero dos super-heróis, o Espectro, por sua origem e história ligadas ao macabro e ao sobrenatural, também encontra um vínculo com o gênero de terror. Criado na revista More Fun Comics em 1940 por Jerry Siegel (também criador do Superman) e Bernard Baily, o Espectro era originalmente Jim Corrigan, um policial que foi assassinado no melhor estilo “morto pela máfia” (levou uma saraivada de tiros, depois foi colocado num barril enchido com cimento e jogado no mar). Seu espírito, no entanto, recusou-se a atravessar o pós-vida, sendo então levado de volta par a Terra com a missão de eliminar o mal. Quem o enviou fora uma entidade que, na época, era conhecida apenas como “A voz” – que, mais adiante, seria associada ao deus cristão (ainda que sutilmente).

Neste meio tempo Espectro fez parte da primeira equipe de super-heróis do mundo, a Sociedade da Justiça da América. Mas conforme a popularidade dos quadrinhos de super-herói foi decaindo com o fim da Segunda Guerra, o Espectro passou a aparecer cada vez menos, tornando-se um mero coadjuvante em sua própria revista, até o eventual cancelamento.

O personagem foi retomado, assim como outros da DC, durante a Era de Prata pelo editor Julius Schwartz. Na nova versão do personagem, por Gardner Fox (que também havia feito a Liga da Justiça) e Murphy Anderson, o personagem voltou a ser o espírito vingativo de sua origem. Assim como o novo Flash (que agora podia até viajar no tempo) e Superman (que era muito mais poderoso que sua versão original), este Espectro possuía habilidades muito maiores que o personagem da Era de Ouro, muitas vezes beirando a onipotência.

Nos anos 70, o personagem encontrou um caminho mais sombrio na revista Adventure Comics, escrito por Michael Fleisher (que também escrevera as Hqs de Jonah Hex) e desenhado por Jim Aparo. Tendo como foco principalmente o destino final dos criminosos, as histórias desafiavam o Comics Code, criando situações macabras a cada edição, o que gerou bastante controvérsia na época, e mesmo durando um bom tempo, acabou por eventualmente encerrar a série com diversos roteiros prontos, mas que não foram desenhados (e nem publicados).

Nos anos 80 a série foi retomada por Doug Moench e John Ostrander (um dos meus roteiristas preferidos), desta vez buscando um viés mais complexo e aprofundando-se em discussões morais sobre a atuação do espectro na vida humana. Neste meio tempo, Espectro teve importante participação na megassaga Crise Nas infinitas Terras, tanto no papel de “representante de um outro nível de realidade” quando o de última esperança da Terra na luta contra a grande ameaça da história.

Nos anos 90, Hal Jordan se torna o vilão Parallax e eventualmente acaba se redimindo ao morrer para salvar o planeta. Com uma legião de fãs insistindo pela volta do personagem, mas tendo Kyle Rayner como novo Lanterna Verde fazendo sucesso entre os novos leitores, a DC toma uma decisão inusitada: Coloca Jim Corrigan para finalmente descansar em paz e dá ao o Espectro um novo hospedeiro: Hal Jordan. A maioria das histórias nesta fase se concentra em Hal Jordan querendo se redimir por seus erros.

Após Lanterna Verde: Renascimento, minissérie que trouxe de volta à vida Hal Jordan (e o colocou novamente como Lanterna Verde), o lugar de hospedeiro do Espectro ficou vaga, e isso o levou a ser influenciado por Eclipso, levando-o a querer destruir a magia do Universo DC durante a série Dia da Vingança, que se relacionava com a megassaga Crise Infinita. Após estes eventos, o Espectro encontrou no policial Crispus Allen um novo hospedeiro, e seguiu assim até a mais recente reformulação da DC.

Mais recentemente, o personagem foi incorporado aos “Novos 52” e sua origem modificada. Na nova versão, Jim Corrigam é um policial de Gotham cuja noiva é raptada. Guiada pelo Vingador Fantasma sob instruções “da voz”, Corrigan vai até o local onde sua noiva está sendo mantida presa, mas descobre que é uma armadilha. Ambos são mortos pelos sequestradores e ele é então transformado no Espectro, que acusa o Vingador Fantasma de traí-lo. Quando o Espectro está prestes a atacar o Vingador, a “voz”, intervêm e mo manda para longe, para focar sua ira naqueles que a merecem mais.

A versão dos Novos 52 explica que a “voz” escolheu Corrigam para ser o “espelho do seu desejo por justiça”. Corrigan, no entanto, só pensa em vingança e retorna à polícia, vingando-se dos criminosos ao invés de fazer jsutiça, o que faz com que a “voz” tenha que intervir e mostrar a ele o caminho. No fim das contas, Jim Corrigam acaba se juntando ao “Detailed Case Task Force”, um pequeno departamento responsável por investigar eventos sobrenaturais de formas não oficiais.

Apesar de ter sido um personagem recorrente e importante no Universo DC durante as eras, Espectro nunca teve muita chance fora dos quadrinhos até pouco recentemente, quando foi lançado, junto com o DVD da animação Crise nas Múltiplas Terras, um curta metragem animado do personagem, escrito por Steve Niles (30 dias de Noite):

Curiosidades:
– Bernard Baily, co-criador do Espectro, também é criador de outro personagem que atuou com o herói na Sociedade da Justiça: O Homem-Hora;
– Bernard Baily nem sempre é citado como co-criador do personagem, sendo às vezes relegado a mero desenhista do personagem na época;
– Em Kingdom Come, o Espectro aparece como um “Mensageiro Divino” que perdeu seu contato com a humanidade e precisa de uma alma humana para saber como julgar o mal que virá ao final da série. Uma abordagem de fato muito interessante e que faz jus à essência do personagem;
– Crispus Allen, o hospedeiro atual do Espectro, era um policial que foi morto ao ser traído por outro policial, de nome Jim Corrigan (mas que aparentemente não tem nada a ver com o Jim Corrigan que foi o hospedeiro original do Espectro). Até onde eu sei, não houve nenhuma explicação específica para essa “coincidência” além de uma homenagem ao hospedeiro original (o que criava uma incongruência curiosa do Universo DC ter dois personagens chamados Jim Corrigan)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

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23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

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1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

Um dos “elos perdidos” entre o Pulp e o Super-herói, conheça um pouco mais sobre Doutor Oculto, personagem não tão conhecido, mas que já teve profunda influência em diversas histórias da DC Comics

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A maioria de vocês talvez nunca tenha parado para pensar nisso, mas já imaginaram como era a vida sem televisão? Atualmente, mesmo com a Internet crescendo em progressão geométrica, podemos dizer que a TV ainda exerce muita influência social, sendo de fonte de notícias a ferramenta de entretenimento. E entretenimento é o que mais temos na TV hoje em dia. Parte do entretenimento está nas histórias seriadas, que aqui no Brasil tinha pouca aceitação em caso de produtos nacionais (até porque o público geral prefere os folhetins), mas que têm grande aceitação entre os produtos americanos, principalmente. E os americanos são especialistas em produzir séries de TV.

Mas não é sobre as séries de TV que vamos falar, e sim de histórias em quadrinhos. Por que então falei sobre a TV e as histórias seriadas?

Imaginem como era a vida antes da televisão. A vida não era muito diferente, apenas as notícias não chegavam até nós em tempo real e o que vemos na TV e na internet eram aquilo que líamos impresso, ou seja, notícias líamos nos jornais, e para histórias seriadas líamos histórias em quadrinhos.

Entre o fim do século XIX e a metade do século XX, a produção de quadrinhos americana contava, em grande parte com histórias que mais tarde foram conhecidas como “Pulp” (sobre o qual já dei uma pincelada na primeira matéria desta coluna). Este termo descrevia quadrinhos seriados de aventura e ficção, de entretenimento fácil e leitura rápida, histórias sem pretensões artísticas ou intelectuais, mas que garantiam a diversão dos leitores. Em termos de formato, podemos dizer que os Pulps eram o “primo rico” dos fanzines, quadrinhos produzidos de forma rápida, com histórias curtas e impressos em papel barato, geralmente com capa colorida e miolo preto e branco. Guardadas as devidas proporções, os quadrinhos Pulp representavam para uma sociedade sem televisão o que as séries de TV representam para nossa sociedade hoje (embora essa dinâmica esteja mudando profundamente nos últimos anos – mas essa é uma outra história).

O surgimento do Superman, na revista Action Comics nº 1 costuma tradicionalmente marcar o início da transição da era Pulp para a Era dos Super-Heróis (sabemos que há controvérsias) e, durante esse período, havia pouca distinção de gênero entre as histórias, pois ambos os estilos compartilhavam diversos elementos, uma vez que os supers não são outra coisa senão “descendentes” dos heróis das revistas Pulp.

Neste cenário, surgia, em 1935 (antes do Superman), um personagem que pode ser considerado uma espécie de “elo perdido” que liga as ficções Pulp e as histórias de Super-herói: Doutor Oculto.

Criado na edição número 6 da revista More Fun Comics, Doutor Oculto, também conhecido como “O Detetive Fantasma” era um investigador particular com poderes sobrenaturais com visual típico das histórias noir, que tratava de resolver casos envolvendo o paranormal, o místico e o sobrenatural. Eventualmente, o detetive passaria a contar com uma parceira, chamada Rose Psychic.

Como a grande maioria das histórias da época, não havia muita preocupação em mostrar sua origem, e sim estabelecer o personagem no seu presente e mostrando-o a cada mês investigando um caso sobrenatural diferente (num formato semelhante a muitas séries de TV de antigamente, como Carl Kolchak, jornalista e personagem da série homônima que inspirou mais tarde a série de TV Arquivo X), então muito pouco se sabe hoje sobre as origens oficiais do personagem.

E teria continuado assim se o personagem não tivesse sido resgatado nos anos 80, na revista All-Star Squadron, uma hq de equipe que se passava durante a Segunda Guerra. Na revista, a origem do personagem foi finalmente contada, usando-se de um retcon (atualização ou modificação de informações no passado dos personagens), mostrando que Oculto e Rose eram irmãos que, quando crianças foram oferecidas como sacrifício a Satã por um culto místico em algum ponto do ano de 1889. Algo no ritual deu errado e o demônio invocado foi, ao invés de Satã, Koth, uma criatura que não se alimentava de almas puras, e sim corruptas. Assim, ele eliminou todos os membros do culto enquanto os dois irmãos foram resgatados por um homem chamado Zator e levados para uma cidadela que era lar de uma poderosa organização de místicos chamada de Os Sete (não confundir com o livro brasileiro homônimo). Após passarem anos estudando as artes místicas, mudaram-se para Nova York onde abriram uma agência de detetives com o intuito de resolver casos sobrenaturais.

Oculto foi aproveitado também por Neil Gaiman na série Livros da Magia (a história do VEDADEIRO Harry Potter – estou brincando!), onde o personagem, junto com John Constantine e outros místicos (a “Brigada dos Encapotados”), ajudam Tim Hunter a adentrar no mundo da magia. Neil Gaiman também deu uma outra visão da relação Doutor Oculto/Rose Psychic, mostrando que, ao invés de irmãos ou parceiros, os dois eram na verdade as facetas feminina e masculina da mesma persona e essas facetas se alternavam dependendo da situação (Rose entrava em cena quando a situação exigia tato, delicadeza e comunicação, enquanto que Doutor Oculto aparecia quando a situação exigia força e conflito).

Doutor Oculto também fez parte do grupo “Sentinelas da Magia” que antecedeu, por assim dizer, o Pacto das Sombras e, atualmente, pós Novos 52 da DC, creio (corrijam-me se eu estiver errado) que o personagem esteja meio esquecido por ora. Mas ainda é um personagem muito lembrado, especialmente por quem acompanhou o universo sobrenatural da DC Comics entre os anos 80 e 90.

Curiosidades:
– More Fun Comics foi a primeira revista em quadrinhos publicada pela editora que mais tarde se tornaria a DC Comics;
– Doutor Oculto foi criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, os mesmos criadores do Superman;
– Apesar de ter sua primeira aparição creditada em More Fun Comics, Doutor Oculto apareceu antes em outra revista, The Comics Magazine #1, da editora Centaur Publications. O curioso desta informação é que, além às vezes ter outro nome (Dr. Mystic), ele era mostrado como alguém que viajava por mundos místicos, sendo capaz de voar e usando uma roupa que era apenas uma sunga e uma capa. Ou seja, embora ele tenha sido reformulado logo depois, isso faz com que ele também seja o primeiro super-herói americano com superpoderes e capa (apesar de não muito mais que isso), antes mesmo de O Fantasma (1936) e do Superman (1939);
– Outros personagens conhecidos que surgiram na revista More Fun Comics ao longo dos anos foram o Espectro, Senhor Destino, Arqueiro Verde, Aquaman e Superboy.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

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11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

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1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #9 – Super heróis “com um pé” no terror: Homem-Formiga

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Aproveitando a estreia do filme Homem-Formiga, mais uma produção baseada nos quadrinhos da Marvel, resolvi iniciar uma “série” dentro do Sarjeta de Terror que há um tempo tenho pensado em fazer: Super-heróis “com um pé” no terror. Em posts que pintarão na coluna aleatoriamente, vou falar de personagens (especificamente dos quadrinhos de super-herói) que tem algum tipo de vínculo direto ou indireto com o terror, sendo por seus temas mórbidos, suas origens vinculadas às histórias de terror ou por algumas idiossincrasias do gênero.

Neste primeiro post da série, aproveito para contar um pouco dos primórdios deste personagem nos quadrinhos, uma vez que muitos talvez não saibam que Hank Pym não começou sua carreira exatamente como super-herói, e sim como um personagem bem mais voltado para o sci-fi/terror.

Antes, um pouco de contextualização: Bem antes da editora que conhecemos como Marvel Comics, ainda nas décadas de 30 e 40 (durante a chamada Era de Ouro dos comics), existia um homem chamado Martin Goodman. Goodman era dono da Red Circle Publishing, uma marca “guarda-chuva” que abraçava uma série de empresas de publicação de livros e quadrinhos, especialmente pulps. Entre as empresas de Goodman estavam a Timely Comics.

Embora a Timely não fosse uma editora de terror per se (se vocês têm boa memória, devem lembrar que na minha postagem sobre a história dos comics de terror, eu comento sobre como o gênero propriamente dito não existia nessa época), ela ajudou a expandir o subgênero pulp do “Weird Menace”, que já tinha “um pé” no terror. Além disso, entre as HQs de western, de super-heróis e pulps, reverberavam diversos temas que mais tarde ficariam associados mais a esse gênero gênero, com ciência que dá errado, monstros gigantes, pessoas que se transformam em criaturas bizarras, alienígenas,criaturas míticas, entre outros.

Não é a toa que, quando a Marvel Comics surgiu, filha da Atlas (anteriormente Timely) as revistas tinham títulos mais sinistros e menos heroicos (Journey into Mistery, Tales to Astonish, Tales of Suspense) e seus primeiros super-heróis eram um pouco bizarros para a época (um adolescente nerd que ganha poderes de uma aranha; uma família formada por um cara que se estica, um monstro de pedra, um monstro que pega foto e uma mulher que fica invisível; um monstro verde ao estilo “Dr. Jekyll e Sr. Hyde”). É nesse contexto da Marvel, que misturava super-heróis com um sci-fi fantástico de terror a lá “Além da Imaginação”, que Hank Pym é criado.

A edição de número 27 da revista “Tales to Astonish” trazia, em 1962, uma história curta intitulada “The Man in the Ant Hill” (O Homem na Colina das formigas, em tradução livre). Nesta história, Hank Pym é um cientista que consegue desenvolver uma fórmula capaz de reduzir o tamanho de objetos, e outra capaz de retorná-las ao tamanho normal. Colocando apenas algumas gotas do soro redutor no seu braço, ele acaba encolhendo, apenas para perceber que havia deixado o soro que aumentava seu tamanho na beira da janela. Na aventura para chegar até o soro e retornar ao tamanho normal, ele acaba no jardim e sendo perseguido por formigas. Após quase morrer, ele consegue chegar até o soro, retornando ao tamanho normal. Assim, convencido de que sua invenção é perigosa, ele joga o soro fora.

Apenas 8 edições depois é que Hank Pym foi reintroduzido, na mesma revista, como o super-herói (com uniforme e tudo) chamado Homem-Formiga (seguido por, edições depois, sua namorada Janet Van Dyne, a Vespa), tornando-se personagem regular de Tales to Astonish. Não demorou muito para Pym e Janet serem vistos em outra revista, como membros fundadores da equipe Os Vingadores. E o resto é história.

Curiosidades:

– A Timely Comics é responsável pela criação de dois clássicos personagens da Marvel que fazem parte do universo de personagens da editora até hoje: o Tocha Humana original (Jim Hammond, que era na verdade um androide que pegava fogo) e Namor, o Príncipe Submarino. A revista em que estes personagens surgiram tinha o nome de Marvel Comics;

– Outro personagem que passou por Tales to Astonish (embora tenha sido criado antes) foi Ka-Zar, que existe até hoje no universo Marvel;

– A revista Marvel Comics (depois renomeada para Marvel Mistery Comics) passou de uma antologia sci-fi/pulp para uma antologia declaradamente de horror em 1949, passando a ser intitulada “Marvel tales”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edições anteriores:

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