Sarjeta do Terror #46 – Irmãs dos Contos da Cripta

Nesta edição de Sarjeta do Terror, conheça um pouco sobre The Vault of Horror e The Haunt of Fear, as revistas “irmãs” de Contos da Cripta que completavam a tríade de terror da E.C. Comics nos anos 50.

Apesar do nome “Tales from The Crypt” ter se tornado mais popular entre o público geral (especialmente porque foi usado tanto para uma adaptação cinematográfica inglesa nos anos 70 quanto pela clássica série), as revistas de horror da E.C. Comics eram uma tríade formada também pelas revistas The Vault of Horror e The Haunt of Fear. Ambas tinham também seus apresentadores de horror, embora, na prática, todos eles transitariam entre revistas, não sendo exclusivos de sua própria publicação. Além disso, assim como “Tales…”, “The Vault…” e “The Haunt…” também surgiram de outras revistas, com um histórico complexo de numeração que confunde qualquer colecionador.

Por questões de permissões de envio pelos correios, “resetar” uma revista, ou seja, recomeçar sua numeração, geraria custos extras. Por isso, para economizar dinheiro, Al Feldstein, quando criou as três revistas, simplesmente alterou os nomes, mantendo a numeração da revista original e renumerando algumas delas apenas mais tarde – o que acaba causando certa confusão hoje em dia e causando certo desespero nos colecionadores com TOC.

 

The Vault of Horror

Assim como Tales From The Crypt, que herdou a numeração da revista Crime Patrol, The Vault of Horror foi antes a revista criminal War Against Crime (1948). Em seus últimos números Feldstein e William Gaines começaram a experimentar com o gênero de terror e decidiram por transformar a revista. The Vault of Horror começou com a edição de número 12 (1950), embora houvesse a intenção de resetar a revista mais adiante (o que acabou não acontecendo). O brainstorm para as histórias era o mesmo de “Tales…”: Feldstein e Gaines liam uma porção de histórias de terror e criavam plots “trampolins”, que eram o ponto de partida para suas histórias. Assim, os contos tinham inspiração em autores como H.P. Lovecraft, Oscar Wilde, Carl Theodor Dreyer e Ray Bradbury, entre outros.

Embora não fosse muito fácil distinguir as revistas umas das outras, havia certa identidade em cada uma delas. Enquanto Tales from the Crypt tinha Wally Wood como artista principal (especialmente nas capas), The Vault of Horror tinha Johnny Craig que, além das capas, era responsável pela história principal de praticamente todas as edições lançadas. Além de Craig, Feldstein e Gaines, as histórias também contavam com os roteiristas Carl Wessler e Jack Oleck, com desenhos de artistas como Reed Crandall, George Evans, Jack Kamen, Wally Wood, Graham Ingels, Harvey Kurtzman, Jack Davis, Sid Check, Al Williamson, Joe Orlando, Bernard Krigstein, Harry Harrison and Howard Larsen.

Cada revista de terror da E.C. possuía seu apresentador de horror, embora eles aparecessem frequentemente na revista um do outro demonstrando certa rivalidade criada para efeito cômico. Em The Vault of Horror, o apresentador principal era The Vault Keeper (o “Guardião do Jazigo”, em tradução livre). The Vault Keeper apareceu pela primeira vez em War Against Crime #10 e, quando a revista foi renomeada, seguiu sendo seu apresentador. O personagem não era muito diferente, ao menos visualmente, do Guardião da Cripta. Era um inquisidor ancestral que usava manto e capuz e contava suas histórias de dentro de uma masmorra vazia. Apesar de ter tido um início mais sombrio, logo o personagem adquiriu tons mais humorísticos, onde entregava comentários irreverentes e cheios de trocadilhos para aliviar o tom sério das histórias que introduzia.

Embora tenha sido criado originalmente por Feldstein, foi Johnny Craig o artista que ficou mais associado com o personagem, tendo desenhado todas as histórias principais (com exceção de duas) e também as aparições do apresentador de horror nas outras revistas.

Nas últimas 4 edições, o Guardião do Jazigo foi acompanhado de outra apresentadora de horror: Drusilla. Introduzida pelo Guardião do Jazigo na edição 37 de “Vault…”, Drusilla eram, na verdade uma bela mulher de cabelos negros, bastante semelhante à Vampira (considerada a primeira apresentadora de terror da televisão). Embora tenha aparecido ao lado do Guardião até a extinção da revista, Drusilla era mais uma personagem “decorativa”, uma vez que não tinha falas.

The The Vault of Horror teve o mesmo fim que suas revistas irmãs, por conta da perseguição aos quadrinhos criminais e de horror nos anos 50, seguido do advento do Comics Code Authority, A revista se encerrou no número 40, totalizando 29 edições.

 

The Haunt of Fear

A história de The Haunt of Fear começa com uma revista de humor da E.C. chamada Fat and Slat (1948). A revista durou apenas 4 edições mas, seguindo a estratégia de economizar dinheiro nos envios pelos correios (citadas anteriormente), a revista foi renomeada como Gunfighter (1948) e passou a contar com histórias de faroeste. Gunfighter durou mais do que Fat and Slat (9 edições) e se encerrou com o número 14. A partir do número 15 a revista foi mais uma vez renomeada, agora como The Haunt of Fear (1950), que completou a tríade de revistas de horror da E.C.

Assim como com Tales from the Crypt e The Vault of Horror, as histórias de The Haunt of Fear partiam dos plots “trampolins” de Feldstein e Gaines, inspirados pela shistórias de horror que liam. Assim, a revista contou com plots inspirados em autores como Bram Stocker, Edgar Alan Poe e Mark Twain, além de Ray Bradbury e H.P. Lovecraft. Os primeiros números de “Haunt…” foram 15, 16 e 17. Mas por exigência dos correios, a edição 18 teve que ser despachada como número 4. Ou seja, os três primeiros números de The Haunt of Fear são os números 15, 16 e 17, seguido das edições de número 4, 5, 6 e assim por diante.

Para dar a identidade e atmosfera do título, foi escolhido o artista Graham Ingels, que começou desenhando algumas histórias e, a partir do número 4, se tornou o desenhista principal da apresentadora de horror do título. A partir do número 11, se tornou o capista oficial da revista.

Além de Ingels, participaram de “Haunt…” diversos outros autores e desenhistas das outras revistas, entre eles Al Feldstein, Johnny Craig, Wally Wood, Harvey Kurtzman, Jack Davis, George Roussos, Harry Harrison, Joe Orlando, Sid Check, George Evans, Reed Crandall, Jack Kamen e Bernard Krigstein.

A apresentadora de terror de The Haunt of Fear era conhecida como “The Old Witch” (A Velha Bruxa). A personagem apareceu apenas na segunda edição de “Haunt…” (a primeira não teve nenhum apresentador), introduzindo a si mesma numa história desenhada por Jack Kamen. Não só a Velha Bruxa era, visualmente, a mais distinguível dos três “GhoulLunatics” (como era chamado o trio), mas também era a que mais aparecia em revistas. Além de estar presente em praticamente todas as edições de Tales from the Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear, a personagem também aparecia na história final de quase todas as edições da revista Crime Suspenstories (1950). The Haunt of Fear se encerrou, junto com suas irmãs, em decorrência do Comics Code Authority, totalizando 28 edições.

 

Em outras mídias

Quando adaptadas para outras mídias, as histórias de Tales from The Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear raramente eram distinguíveis umas das outras. A série de TV Contos da Cripta, da HBO, adaptou histórias vindas das três revistas. O mesmo aconteceu com o filme inglês “Tales From the Crypt”, produzido pela Amicus.

A Amicus também lançou uma sequência de seu filme antologia, intitulado “The Vault of Horror”. Curiosamente, nenhuma das histórias presentes foi adaptada da revista que inspirou o título do filme, e sim de Tales from the Crypt – com exceção de uma história, adaptada da revista Shock SuspenStories (1952).

O Guardião do Jazigo e a Velha Bruxa também acompanharam o Guardião da Cripta no desenho animado Tales from the Cryptkeeper, de 1993.

 

Curiosidades:

– Johnny Craig, artista de The Vault of Horror, também escrevia as histórias que desenhava, o que era bastante raro na E.C. A partir da edição 35, Craig se tornaria editor da revista;

– A revista de guerra Two-Fisted Tales “herdou” a antiga numeração de The Haunt of Fear, começando na edição 18, nunca tendo sido renumerada;

– Por conta da confusão de numeração com “Haunt…”, a revista acabou tendo duas edições com os números 15, 16 e 17;

– Uma das histórias da edição 17 que foi adaptada para o filme da Amicus, “Horror We? How’s Bayou?”, é considerada por muitos a história melhor ilustrada entre as de horror da E.C. O visual do maníaco homicida da história foi inspirado pelo filme mudo Dr. Jeckyll and Mr. Hyde (1920);

– A história mais controversa da E.C. foi “Foul Play”, de The Haunt of Fear #19 (1953). Escrita por Al Feldstein e desenhada por Jack Davis, mostrava um desonesto jogador de baseball sendo desmembrado e suas partes sendo usadas por seus assassinos para jogar baseball. Essa história foi um dos muitos exemplos usados por Fredric Wertham no seu livro “A Sedução do Inocente”;

– Os apresentadores das revistas de horror da E.C. apareciam frequentemente nas revistas um do outro, cada qual com seu respectivo “banner” de identificação. O Guardião da Cripta trazia histórias sob o banner “The Crypt of Terror”, enquanto que o Guardião do Jazigo tinha por banner “The Vault of Horror” e a Velha Bruxa “The Witch’s Cauldron”;

– O personagem da Velha Bruxa foi inspirada por “Old Nancy”, a bruxa de Salem que era apresentadora da série de rádio “The Witch’s Tale”, de Alonzo Deen Cole. A série foi ao ar entre 1931 e 1938.

 

Edições anteriores:

45 – Contos da Cripta, dentro e fora dos quadrinhos

44 – Criadores de Terror: Reed Crandall

43 – Skywald Publications e o clima de horror

42 – Vampirella

41 – O Homem Coisa

40 – Os quadrinhos de terror no Brasil: Criadores e Criaturas

39 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 2

38 – Os quadrinhos de terror no Brasil: parte 1

37 – Apresentadores de terror (Horror Hosts)

36 – Dylan Dog

35 – Monstro do Pântano (parte 2 de 2)

34 – Monstro do Pântano (parte 1 de 2)

33 – Criadores de Terror: Bernie Wrightson

32 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Estranho

31 – Os 70 anos de Eerie #1

30 – Plantão Sarjeta do Terror – Sombras do Recife

29 – Criadores de Terror: Rodolfo Zalla

28 – Da TV para os quadrinhos: Além da imaginação

27 – Vigor Mortis Comics – Volume 1

26 – Super-heróis com um “pé” no terror: O Espectro

25 – Warren Publishing: Contornando o Comics Code

24 – Prontuário 666, os anos de Cárcere de Zé do Caixão

23 – Da TV para os quadrinhos: Arquivo X

22 – Criadores de Terror: Eugenio Colonnese

21 – Terror nas grandes editoras, parte final

20 – Terror nas grandes editoras, parte 2

19 – Uzumaki

18 – Terror nas grandes editoras, parte 1

17 – Do cinema para os quadrinhos: Evil Dead/Army of Darkness

16 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte final

15 – Super-heróis com um “pé” no terror: Doutor Oculto

14 – Terror no mundo real: o Comics Code Authority, parte 1

13 – Da TV para os quadrinhos: Elvira, a Rainha das Trevas

12 – EC Comics , epílogo: O Discurso Contra a Censura

11 – Criadores de Terror: Salvador Sanz

10 – EC Comics, parte 3: o fim

9 – Super-heróis com um “pé” no terror: Homem Formiga

8 – Interlúdio: Shut-in (trancado por dentro)

7 – EC Comics, parte 2: o auge

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios

Sarjeta do Terror #7 – EC Comics parte 2: O auge

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A EC comics, em seus primeiros anos contou com uma leva de publicações de muito sucesso, entre elas Crypt of Terror (logo depois renomeada para Tales From the Crypt) The Vault of Horror e The Haunt of Fear, mas ainda havia muitas outras. Quadrinhos de guerra como Frontline Combat e Two-Fisted Tales geralmente focavam-se em histórias nada heróicas que fugiam do americanismo tradicional, enquanto Shock SuspenStories lidavam com temas como racismo, sexo, drogas e o “American Way of Life”, com uma pegada que lembrava os filmes noir. Mas a editora publicamente se orgulhava de seus títulos voltadas para a ficção científica, como Weird Science e Weird Fantasy, que publicavam histórias inusitadas em comparação com as “space operas” publicadas em títulos sci-fi de outras editoras.

Entre os temas mais recorrentes das revistas da EC, estavam situações comuns com uma reviravolta irônica ou sinistra, geralmente uma justiça poética pelos crimes do protagonista; gêmeos siameses (sim, este era um tema popular e bastante recorrente nos primeiros anos da EC); adaptações de histórias de ficção científica de Ray Bradbury e histórias com uma mensagem política, que se tornou comum nas histórias de ficção científica e suspense da editora (entre os tópicos dentro deste tema encontravam-se condenações sem julgamento, antissemitismo e corrupção política).

Mas com certeza o tema mais proeminente na EC Comics era, de longe a sátira que, ora era encontrada na crítica política, ora no humor negro das situações cotidianas que acabavam mal, mas que deram origem àquela que talvez seja a revista mais famosa da editora: MAD.

mad26aCriada em 1952, a MAD tinha como foco específico a sátira e a paródia. Começou como uma HQ e dois anos depois se tornou uma revista no formato magazine, mas sempre com o mesmo foco. A popularidade da MAD se deu porque ela foi publicada em um momento bastante propício, onde os americanos careciam de revistas com teor de sátira política uma vez que, em meio da paranóia da Guerra Fria, a censura aos meios de comunicação era uma realidade presente. Mas nem tudo foram flores para a MAD, que recebeu diversos processos por conta de seu humor ácido, crítico e muitas vezes ridicularizador. A revista MAD, como vocês devem saber, dura até hoje, mesmo após a desativação da EC Comics, o que mostra a força da publicação.

Infelizmente, mesmo com o sucesso e com temas populares, um monstro muito pior do que qualquer um que figuraria nas histórias da EC iria pôr um fim à editora.

Curiosidades:

– MAD foi, por muito tempo, a revista mais bem-sucedida do mercado americano a publicar totalmente sem a ajuda de publicidade. Isto era ótimo para os artistas, que podiam criticar sem dó a cultura de massa e do consumismo sem sofrer represálias nem ter que se conter;

Alfred E_ Newman_jpgAlfred Newman, o rosto famoso que estampa as capas da MAD apareceu na revista pela primeira vez em 1954. O que pouca gente sabe é que este rosto não foi criado pela editora, ele já existia nas pictografias americanas há décadas, sendo de uso comum e autoria desconhecida até a EC veiculá-la na revista e passar a ter domínio sobre a imagem.

 

 

 

 

Edições anteriores:

6 – Interlúdio: Garra Cinzenta, horror pulp nacional

5 – EC Comics, parte 1: o início

4 – Asilo Arkham: uma séria casa num sério mundo

3 – A Era de Ouro dos comics de terror

2 – Beladona

1 – As histórias em quadrinhos de terror: os primórdios